sábado, novembro 29, 2008

29 de Novembro - Citação do Dia


Foi-me preciso descobrir que:

a lógica é a ciência de gerir os rendimentos da estupidez;
os políticos não são inteiramente galinhas porque cacarejam e não põem ovos;
as pastas dos executivos levam dentro aranhas para urdirem as teias que nos imobilizam;
os militantes de todos os partidos têm pele de camisas enforcadas;
a família é um cardume de piranhas ao redor da carcaça de uma vaca sagrada;
a sociologia é uma completa falta de humor perante a decadência;
os gestores destilam um suor frio que nos constipa;
as nações içam as bandeiras para pôrem o falo a pino e masturbarem-se;
as esquerdas e as direitas resultam do pacto de não inverterem os papéis;
o socialismo é um estratagema para negar aos exploradores o direito ao desaparecimento;
o liberalismo é uma manha do estado para forjar algemas com a liberdade;
os intelecuais são uma chatice com que o criador não contava;
sendo a educação a providência dos imbecis que são em maior número, o mundo está imbecilizado pela educação;
o sistema é a creche da debilidade mental e a vala comum da inteligência;
a economia é adquirir o vício do fumo porque se comprou um isqueiro;
dos vencidos não reza a história porque se renderam à razão,


para concluir que:
chegou a hora romântica de os deuses nos pedirem a desobediência.
Faço-lhes a vontade. A partir de hoje, se alguém me quiser encontrar, procure-me
entre
o riso e a paixão.


Natália Correia


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sexta-feira, novembro 28, 2008

28 de Novembro - Citação do Dia

A alma farta pisa o favo de mel, mas à alma faminta todo o amargo é doce.
Salomão, Provérbios

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quinta-feira, novembro 27, 2008

27 de Novembro - Citação do Dia

Madjid, Ruas da Cidade
O ruído vário da rua
Passa alto por mim que sigo.
Vejo: cada coisa é sua.
Oiço: cada som é consigo.
Sou como a praia a que invade
um mar que torna a descer.
Ah nisto tudo a verdade
É só eu ter de morrer.
Depois de eu cessar, o ruído.
Não, não ajusto nada
Ao meu conceito perdido
Como uma flor na estrada.
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Diário do Tripulante

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segunda-feira, novembro 24, 2008

24 de Novembro - Citação do Dia

There is such magnificent vagueness in the expectations that had driven each of us to sea, such a glorious indefiniteness, such a beautiful greed of adventures that are their own and only reward! What we get - well, we won't talk of that; but can one of us restrain a smile? In no other kind of life is the illusion more wide of reality - in no other is the beginning all illusion - the disenchantment more swift - the subjugation more complete. Hadn't we all commenced with the same desire, ended with the same knowledge, carried the memory of the same cherished glamour through the sordid days of imprecation?

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domingo, novembro 23, 2008

23 de Novembro - Citação do Dia

Gustav Klimt, Mãe e Filh@
My Way
I know the difference between right and wrong
I learnt about it at my mother's knee
and all the the good belonged of right to her
and all the bad I knew was left to me.
Hers the white innocence behind the veil,
the calm blue passage on the roughest sea
the rose-pink silence and the golden hymn
and hers the comfort of forgiving me.
Mine the red glow of anger, steely tongued,
boredom, green jealousy and black despair,
hatred and envy, pale dreams, purple rage,
the wicked pain of not forgiving her.
I went my way. I knew my way was wrong
and so I feel it every blasted day.
She didn't give me any other choice.
I couldn't leave her any other way.
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Diário de Uma Mãe Babada

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sábado, novembro 22, 2008

21 de Novembro - Citação do Dia

Sim, o amor é também um hábito, um vestuário. Mas há almas sem elegância. Nenhuma toilette lhes fica bem, nem a do amor, nem a do ódio, nem a da alegria ou da tristeza. Todas lhes dançam no corpo, como se fossem roubadas ou emprestadas.

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quarta-feira, novembro 19, 2008

19 de Novembro - Citação do Dia


Musica Mirabilis

Talvez a ternura
crepite no pulso,
talvez o vento
súbito se levante,
talvez a palavra
atinja o seu cume,
talvez um segredo
chegue ainda a tempo

- e desperte o lume.




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terça-feira, novembro 18, 2008

18 de Novembro - Da Arca dos Faits-Divers



De Mãos na Água


Riem-se dos anúncios da televisão em que o estrago de uma cafeteira entornada é apagado com um mergulho da toalha num banho de pós modernos. 'Vai-te embora, mentirosa!', dizem estas mulheres de braços molhados para quem é ponto assente a superioridade da ancestral ciência da água e do sabão. Mas já são poucas e carregadas de anos as lavadeiras de Lisboa. No grande lavadouro das Francezinhas, só metade dos tanques continuam a ser utilizados.

Há quem tenha passado vezes sem conta naquela esquina onde começa a Madragoa, no ponto em que a Rua das Francezinhas encontra a Travessa dos Pasteleiro, sem suspeitar que, por detrás das paredes ocres, sobrevive o maior lavadouro colectivo de Lisboa. São doze grandes tanques rectangulares, com bordas de lajes inclinadas, agrupados três a três. Ali, entre a roupa disposta em montes ou estendida em arames e varais, resiste ainda, na repetição de gestos que o tempo não alterou, um ofício incrustado na memória da cidade.

Mãos gretadas e mangas arregaçadas, aventais e plásticos presos com cordas e alfinetes, botas de borracha e línguas soltas, elas são as últimas e sabem-no. 'Isto tem passado de mães para filhas, mas agora as novas têm vergonha de cá vir.' Recordam tempos, ainda há quarenta e tal anos, em que os tanques não chegavam para as lavadeiras, era necessário esperar vez e deixar o lugar marcado quando iam almoçar. Hoje são só oito 'afectivas' as que lá vão todos os dias, chova ou faça sol, e quase nunca se juntam mais de 14 mulheres à volta dos tanques.

A Deolinda 'Preta', de 79 anos e desde os 12 a bater a roupa com os punhos ou a malha de pau, ou a Maria Jacques, continuadora, aos 75 anos, de uma arte que sua mãe, já no último decénio do século passado, praticava no mesmo local, lembram-se de muitas coisas e confundem outras. Sabem, por exemplo, que devem o lavadouro das Francezinhas a um impulso de caridade da rainha Dona Maria Pia, embora não consigam precisar a data da fundação, 1852. Recordam os tempos em que as lavadeiras saloias, de Caneças e Loures, chegavam em grupos à cidade, em carroças ou camionetas, de trouxas à cabeça, para dar a volta às freguesias certas. Mas é também de outra espécie o seu saber: 'Há roupas que estão mais sujas do avesso do que do direito.' Vaidades e aparências valem pouco para estas mulheres.

Têm um riso fácil que se mistura ao marulhar das águas, ao estalar das pancadas na roupa molhada, ao raspar incansável das escovas, uma música que aqui se sobrepõe ao rumor abafado da cidade, visível encosta abaixo, até ao rio. Mas, mesmo poucas, não desmerecem os pergaminhos de gerações inteiras, e por vezes o riso ou a conversa sobre a vida alheia dão lugar a ralhos e zangas em que vai tudo raso: 'Quando nos engalinhamos, dizemos tudo, é dos alhos às azeitonas.' Passada a tempestade, disciplinada a prevaricadora que queria lavar a roupa escura nos tanques da roupa branca ou pôr na água passadeiras e fatos-de-macaco sujos de óleo antes da uma da tarde, voltam a ser 'como uma família'.

E há as cantigas, marchas da Madragoa preferidas , ou outras antigas, em que as palavras já são roídas por esquecimento. Lambram-se de ter ouvido muitas como esta:

'Ó amor, que queres tu?
Eu quero roupa lavada
Vai à tua lavadeira
Que eu não sou tua criada'

Unanimidade faz a Beatriz Costa e a canção que imortalizou as lavadeiras no cinema: Ai bate, bate...' É uma das suas devoções.

Mas outras há, como as que se apresentam num nicho da parede, 'oratório ' em que cumprem particulares à Senhora de Fátima, de Santa Luzia, do Padre Cruz, do Santo antónio e do doutor Sousa Martins. Questões privadas de saúde, felicidade e fortuna, mas também rituais colectivos: o Santo António e a Senhora de Fátima foram adquiridos em conjunto, por alturas do 25 de Abril, 'para haver paz no mundo e sossego para todos'. E mais conta Vanilde Mendes, 'capataza' do lavadouro: 'Por causa da guerra do Golfo chorávamos aqui, no dia em que constou que a guerra tinha acabado viemos logo acender velas e chorar, ai minha nossa senhora, ainda bem que os nossos filhos não vão.'

Homens aqui, nem pensar. 'Isso é que era bom, isto é nosso!' Têm fraca ideia dos que tentam entrar, bêbados ou vadios. E não vão em modernices: lambram-se daquele turista espanhol que, acompanhando a mulher, tentou ajudar na lavagem; foi terminantemente proibido. 'Nesta água só mãos de senhoras', e está tudo dito.

Clientes têm-nas certas, onde vão buscar a encomenda da semana à segunda-feira, outras há que aparecem no lavadouro e ali apreçam o trabalho, como esta que chega, deixa uma trouxa de roupa pela qual pagará 500 escudos daí a oito dias e é troçada em colectivo mal se vai embora. As clientes são, para as lavadeiras, 'elas': 'Elas acham caro', 'para elas lavar faz mal às mãos, algumas calçam luvas.'

Aqui é tudo à mão, sabão escuro ou azul e branco, dependendo do gosto da obreira: desde o mais barato - um par de meias por cinco escudos, uma camisa vinte, calças entre trinta e quarenta, 'conforme elas vêm' - até aos lençóis, que podem chegar aos cem escudos sendo de casal e grandes, cobertores entre duzentos e trezentos, e a obra mais difícil que poucas máquinas fazem - carpetes, que requerem muita força de braço e o trabalho de duas mulheres, podem chegar ao conto e quinhentos.

'Já não se sabe lavar como dantes.' A opinião é definitiva e recolhe assentimento geral. 'Olhe para algumas janelas, que a roupa mete nojo. Parece o pano da casa.' Gostavam de passar a arte e por isso não se furtam a ensinar algumas 'cachopas' que aparecem, raramente, a pedir explicações.

A velha barrela para a roupa branca, que se fazia 'com a cinza dos padeiros e a porcaria das galinhas, há mais de cem anos', foi substituída por um banho com um pó. No resto, a ciência não mudou: roupa branca para um lado e de cor para outro, em alguidares a sabonária de um dia, com a velha potassa para a sujidade mais teimosa, um tanque para ensaboar e outro para passar por água. Nas lajes gastas, esfregam e batem a roupa ensaboada, depois há que 'passar como deve ser', primeiro com as peças bem abertas, dobrando com cuidado antes de cada novo mergulho, aprontando o tecido para ser 'bem torcidinho' antes de ir para o arame. Há segredos no pendurar as camisolas 'como deve ser, para não ficarem pingonas' e, finalmente, até nisto existe saber: 'Tudo tem o seu tempo a enxugar'.

Quem isto aprendeu não acredita em máquinas. 'Não há nada que chegue às nossas voltas', e a prova são as freguesas que tantas vezes lhes trazem peças acabadas de sair dos tambores metálicos. Ainda assim, desta luta está traçado o vencedor, as baixas não enganam. Mesmo se as lavadeiras de Lisboa ganharam uma batalha no final do século passado, quando, em 1884, para consumir o excesso de água canalizada do Alviela, a Companhia das Águas decidiu montar uma 'lavandaria-modelo' para 30 mil peças diárias, com o último grito em maquinaria e um técnico francês; foi tal a anarquia e a confusão que o público se desinteressou, o técnico desistiu de entender os portugueses, os prejuízos acumularam-se e a empresa acabou por ser vendida em 1903.

Provado está que não há como mão de lavadeira para afagar um colarinho. E por isso, mesmo queixando-se Deolinda de que 'quando me deito à noite não posso mexer este bracinho', no lavadouro das Francezinhas a opinião é unânime: 'Se isto fecha, a gente morre abismada.'

Frederico Carvalho, Expresso, 23 de Março de 1991

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segunda-feira, novembro 17, 2008

17 de Novembro - Citação do Dia


Evelyn de Morgan, Esperança na Prisão do Desespero

Quando uma pessoa se sente frustrada até ao desespero absoluto, de que serve saber onde ou quando foi dado o primeiro e fatal mau passo? O que importa - e como importa, meu Deus! - é somente o agora.



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domingo, novembro 16, 2008

16 de Novembro - Citação do Dia

Poema das Coisas Belas
As coisas belas,
as que deixam cicatrizes na memória dos homens,
por que motivo serão belas?
E belas, para quê?
Põe-se o Sol porque o seu movimento é relativo.
Derrama cores porque os meus olhos vêem.
Mas porque será belo o pôr-do-sol?
E belo, para quê?
Se acaso as coisas não são coisas em si mesmas,
mas só são coisas quando coisas percebidas,
porque direi das coisas que são belas?
E belas, para quê?
Se acaso as coisas forem coisas em si mesmas
sem precisarem de ser coisas percebidas,
para quem serão belas essas coisas?
E belas, para quê?

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sexta-feira, novembro 14, 2008

14 de Novembro - Do Baú das Crónicas

A Aventura da Juventude
Quando é que deixam de me tratar como um jovem? Que idade é que é preciso atingir para perder esse labéu? Ainda recentemente a UNITA convidou-me para integrar um grupo de jovens que ia visitar a Jamba. Vi uma fotografia dos que foram. Tinham todos dezassete anos. Todos os dias me convidam para ser jovem. Porque é que não me deixam puxar a manta para cima dos joelhos e envelhecer?
Não tenho nada contra os jovens. Nem, pensando bem, nada a favor. Gostei de ser jovem. Mas trinta e três anos de juventude é demais. É como uma refeição que consiste apenas de melão com presunto. Acompanhado por um copo de leite com palhinha às riscas. Basta. Agora queria ser um homem. Será assim tão descabido? Porque é que não posso ser um senhor como os outros?
Como se faz muita confusão neste país com a juventude, seria bom que se estabelecesse, duma vez por todas, uma escala. É-se bebé até aos 2 anos. Depois, catraio até aos 5. Aos 6 já se é uma criança. Aos 9 anos as crianças transformam-se em miúdos. Aos 12-13 anos não se é nada. Volta-se a ser gente aos 14. E começa-se a adolescência, que dura até aos 18, a idade adulta. É-se jovem. Francamente. Mas até quando? No máximo dos máximos até aos 24 anos. 24 anos já é muito ano. Um lombo com 24 anos já alancou muito. E mesmo assim, convém lembrar que a decadência física e mental já começou por volta dos 20 anos. Dos 25 aos 35 é-se já senhor ou senhora, absolutamente não-jovem. Aos 35 anos, por ser aproximadamente metade do nosso tempo de vida, começa a meia-idade. A meia-idade é a velhice no estado infantil, mas é velhice. Com 45 anos já somos verdadeiramente velhos. E que mal é que isso tem?
Eu tenho 33 anos e gostaria que me respeitassem, se faz favor. Que não me tratassem por tu. Que me ajudassem a atravessar a rua quando preciso. Queria que os maîtres dos restaurantes deste país não olhassem para mim com o ar que olham sempre, que é 'Olha aquele puto orelhudo da televisão. Como é que ele veio aqui parar?' Queria um bocadinho de cerimónia. É pedir muito? Que idade é que é preciso ter para ter a atenção dos gerentes bancários? Porque é que ninguém me dá um cartão de crédito? Quero um cartão de crédito. Vou comprar uma bengala.
O direito à juventude já está mais que batido. Está consagrado na Constituição. Há um ministro da coisa. Mas ninguém fala do direito à meia-idade. Porque é que não hei-de reivindicar o direito de ser tratado pelo apelido por homens gordos de fato e gravata? Sonho com isso. Dão-me palmadas nas costas e dizem 'Ó Esteves Cardoso!'. Quero ficar à cabeça da mesa a comer cozido à portuguesa e a fazer festas rudes nas cabeças de muitas crianças à minha volta. Quero ser confrontado por pessoas adultas em reuniões à séria em que me digam 'Sabe, Esteves Cardoso - surgiu um problema'. Quero ser rouco. Queria ter barba. Quero ser tratado como a minha idade merece.
Não é isso que as pessoas fazem. O que as pessoas fazem é vir ter comigo cada vez que há um empreendimento que inclua a palavra 'jovem'. Querem que eu fale com os jovens sobre os problemas dos jovens. Mas porquê? Não quero ser o jovem avançadinho de serviço aos velhadas. Quero ser tratado como um crescido. Quero falar sobre problemas enormes, como a fome no mundo. Mas para isso ninguém me convida. Só para falar sobre a fome do mundo entre os jovens.
A palavra 'jovem' agonia-me. As pessoas importantes que vou conhecendo fazem sempre questão de sublinhar que 'os meus filhos gostam muito de ler as suas coisas', mas eles, adultos, não. O general Eanes, na única vez que o conheci, disse-me que lá em casa tinha um admirador, embora ele e a esposa não apreciassem. É o que toda a gente diz. Porque é que só os j***** me lêem? Pelas cartas que recebo, são cada vez mais j*****. Será o meu estilo que impede as pessoas com mais de 15 anos de me apreciar? Será o meu cérebro que se está a infantilizar? Daqui a uns anos só me restarão leitores de 7 a 8 anos? Quero ser lido por crescidos. Quero ser considerado. Quero que se discutam as minhas opiniões nos cafés. Sonho com a ideia de quatro senhores idosos sentados à mesa do Café Nicola a dizer 'Viu o editorial do Esteves Cardoso sobre as taxas de juro?' O que acontece é que vêm ter comigo miúdos de 11 anos a dizer 'Achei muita giro aquilo que escreveste sobre o problema das borbulhas'.
A semana passada recebemos uma carta do ministro das Finanças e, isso sim, fez-me sentir momentaneamente adulto mas a sensação durou pouco tempo porque percebi que nos estava a chamar garotos. Que é o mesmo que dizer j*****.
Quero ser tratado por doutor por outros doutores em almoços acerca de coisas graves. Isto nunca acontece. O que acontece é j***** chamarem-me 'Ó MEC!' e às vezes acrescentam 'Baixa as orelhas que ainda levantas voo'. E há outra coisa que me irrita. Quando entro num estabelecimento, num comboio ou em qualquer sítio público, se há um louco varrido, vem sentar-se ao pé de mim. Se há uma mulher daquelas com pêlos nas pernas, que gritam sempre as mesmas palavras, género 'Carago, carago,carago!' e têm os cabelos todos levantados, é uma lei matemática que me escolhe para desabafar. Se há um arruaceiro, é comigo sempre que se vem meter. Farto-me de andar à chapada. Ninguém me respeita. Tratam-me como um j****. Isto é, mal. Quando me tornei professor na universidade tinha 25 anos e pensei que a minha juventude tinha acabado e que eu ia ser respeitado. Mas os alunos não eram capazes de dizer 'professor' sem sorrir. durante cinco anos não vi uma cara séria. Metade dos alunos era mais velha do que eu e tratavam-me como uma criança, a outra metade tratava-me como um crítico de música pop. Tudo por eu ser j****. Não há outras pessoas que possam fazer de j*****? Porque é que hei-de ser sempre eu? Eu não sou j****. Tenho cabelos brancos. O tempo está a passar e eu já vou atrasado para gozar a minha meia-idade. O meu pesadelo é passar directamente de j**** para jarreta, sem período intermédio. Toda a gente tem direito a um período intermédio.
Em Portugal, é pior. É-se j**** durante mais tempo. Um homem com 44 anos que queira ser j**** tem apenas de se tornar agricultor para sê-lo, já que as bolsas para 'jovens agricultores' vão até aos 45 anos. 45 anos! Será que acresce o prazer de ficar sob a tutela do ministro da Juventude? 45 anos! Nunca mais tenho 45 anos. Vai-me matar ser jovem tanto tempo.
Miguel Esteves Cardoso, O Independente, 16 de Setembro de 1989

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segunda-feira, novembro 10, 2008

Adeus, Pipi

Emília Custódia
7 de Novembro de 1921
10 de Novembro de 2008

A tua canção preferida

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domingo, novembro 09, 2008

9 de Novembro - Citação do Dia

Guarda-me como à menina do olho, esconde-me à sombra das tuas asas.

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sábado, novembro 08, 2008

8 de Novembro - Citação do Dia

Pudesse eu ter por certo que na morte
Me acabaria, me faria nada,
E eu avançara para a morte, pávido
Mas firme do seu nada

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sexta-feira, novembro 07, 2008

7 de Novembro - Citação do Dia

Paul Gauguin, Eva, Não Ouças o Mentiroso
Um homem pode ser um contador de histórias, um fabulista, um mentiroso chapado, mas existe em toda a ficção e em toda a falsidade um núcleo de verdade.

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quinta-feira, novembro 06, 2008

6 de Novembro - Citação do Dia

Piano
Softly, in the dusk, a woman is singing to me;
Taking me back down the vista of years, till I see
A child sitting under the piano, in the boom of the tingling strings
And pressing the small, poised feet of a mother who smiles as she sings.

In spite of myself, the insidious mastery of song
Betrays me back, till the heart of me weeps to belong
To the old Sunday evenings at home, with winter outside
And hymns in the cosy parlour, the tinkling piano our guide.
So now it is vain for the singer to burst into clamour
With the great black piano appassionato. The glamour
Of childish days is upon me, my manhood is cast
Down in the flood of remembrance, I weep like a child for the past.


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quarta-feira, novembro 05, 2008

5 de Novembro - I HOPE YOU CAN


Independence Day
Now and then I get horny
At night you do
At night you do
Smile - from side to side
At night you do
At night you do
She'll be comin' round the mountain
Six white horses by her side
No stops for gas, food or lodging
She's wearing nothing but a smile
And though we struggle for our freedom
Our need for others still remains
We know what will make us happy
We know what will ease our pain
We'll pretend we are married
At night we do
At night we do
Slide your hand in mine
At night we do
At night we do
My bed is flyin' out the window
I'm pullin' up my covers to the rain
And down below cats are howlin'
It's a family affair
They're selling vegetables on Broadway
A man is runnin' for the train
Strollin' down 42nd Street
On our Independence Day
Rub-A-Dub on 57th Street
On our Independence Day!
Arm in arm on 82nd Street
It's our Independence Day
Hey Mister, Hey Lady
Hey sisters walkin' hand in hand
We'll be lovers in the open
We'll be lovers on Independence Day
Hand in hand, hand in hand
Hand in hand on Independence Day
This compass points in two directions
And North and South are both the same
We'll look forward to the good times
Come our Independence Day
Hey Lady! You make me giggle
We'll squiggle like honeymooners do
I'm struck by lightnin', it's frightnin'
So excitin', on Independence Day
Uncle Vera, Auntie Ida
Get so excited on Independence Day
Been waiting such a long time
Waiting such a long time
Waiting such a long time
Waiting such a long time
Till Independence Day
Waiting such a long time
Waiting such a long time
Waiting such a long time
And now it's here!
Independence Day!
(Se alguém souber como posso colocar esta música FANTÁSTICA aqui, faça-me o grande favor de dizer como. Ficarei eternamente reconhecida, ou pelo menos durante uns meses. Largos.)

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terça-feira, novembro 04, 2008

4 de Novembro - Do Baú das Crónicas

(Nota da Gerência: Não sei porque a guardei. Devia estar a penar com uma paixoneta qualquer. Mas hoje serve para ilustrar um estilo muito cultivado nos anos 80/90: o tipo-MEC. Acontecia aos melhores.)
O Amor e a Paciência
Há um velho ditado português que já foi contaminado pelo bolor. Dizia ele, a quem o queria ouvir: quem espera sempre alcança. Mas não há nada mais falso. Afinal, quem espera nunca alcança. No amor, então, o elogio da paciência é uma ciência que vem de longe, e que tantos danos mentais tem causado nos apaixonados de hoje. Desde sempre os mais velhos instruíram os mais novos (o Amor não é nenhuma lei escrita, é uma lei natural que passa de ouvido para ouvido) que todas as formas de concretizar o desejo se resumiam a duas estratégias melosas: a teia de aranha e a canção do bandido. Hoje, sabendo-se que essas duas estratégias estão em saldo nas boutiques ciganas que passeiam por este país, elas são conhecidas como a tareia da aranha e a canção do lixado. Não percebem? Eu também não.
Sempre me explicaram, desde pequenino, que desde que Adão desejou petiscar Eva, para poupar a maçã para a sobremesa, que o amor é uma questão de paciência. Disseram-me então, como voz académica, que quando pedinchamos a paixão, passamos a vida a esmolar. Elucidaram-me também que não há dinheiro que compre a paixão e não há paixão que não se cumpra pagando em lágrimas. O problema é que não se combate a paixão com vacinas. E afinal o Amor é um caso curioso, quando renegamos tudo por isso. Imaginamos que nos amam (e aí até as melhores videntes se iludem com o que os seus olhos querem ver) e comportamo-nos como tontinhos em busca de um quilo de juízo (algo que não está à venda nos hipermercados). Suamos do coração e soamos falsos. A Mata Hari dos nossos olhos deixa cair um lenço no chão e quando, como cavalheiros do acaso e cavaleiros do ocaso, nos baixamos para o apanhar, ele dá-nos um pontapé no rabo, dizendo: Pensas que isto é Impulse da televisão? Não é, também me explicaram isso quando eu era pequenino. Mas eu nunca aprendi. E se calhar agora já é tarde para tudo isso.
Um psiquiatra brasileiro disse há alguns tempos que Sexo é um pouco de fricção e muito de fantasia. É capaz de ser, mas a parte suculenta da questão sempre foi, ao contrário do que muitos supõem, antes de os lençóis terem sido entreabertos. é essa fase da teia de aranha de que me falavam quando eu era pequenino e que agora El Debarge, com a sua voz melosa, explica em Real Love, uma canção que fala dos tortuosos caminhos do Amor. E da dor. Mas como eu tentava fazer desaguar para estas linhas as ideias que me incutiram, sempre insistiram que a paciência no amor é a nossa melhor arma para se conseguir o fim pretendido: a sobremesa que Adão se esqueceu de comer.
A estratégia da teia de aranha é a coisa mais simples do mundo - quado se encontra, numa qualquer rua, a paixão dos nossos próximos 15 minutos, devemos movimentar-nos em círculos concêntricos ao longo do tempo que for preciso, em volta da pessoa amada. O único problema é que às vezes ficamos tontos de amor e caímos no chão que nem uns perdidos. Nesse jogo a paciência é importantíssima. Se elas nos olha, nós olhamo-la fixamente, tentando perceber se ela não tem nenhum cisco no olho. E às vezes descobre-se que aquele olhar foi apenas uma questão de ramelas. O certo é que muitas vezes fica-se preso dessa loucura apaixonada que acaba por ser a ditadura dos nossos dias. E aí a teia de aranha acaba por se transformar na tareia da aranha.
Os mais experientes também me instruíram na canção do bandido, as frases certas que um ouvido incerto sempre gosta de ouvir, antes que algo de menos musical possa acontecer. A canção do bandido sempre foi o Bolero da imaginação, o corredor sem fundo da nossa imaginação, que nos ata, como o melhor índio, à estaca da idiotice. Afinal, num mundo de walkmans, já só cai na canção do bandido quem quer. E por isso com o correr das estações ela se tornou a canção do lixado (para não dizer outra coisa). Foi por tudo isto que inventaram o Dia dos Namorados, que é o dia em que todas as canções do bandido são aquecidas em fogo lento, como se fossem futuras pipocas, para adoçar a língua do nosso coração. O estômago tem sempre razões que a paixão se esforça por desconhecer.
Afinal, no amor, tudo acaba em postas de pescada, porque estas estratégias são tão modernas como os Brontossauros. Quem se move com elas acabará por morrer no deserto. Esmolando um amor que nunca lançará uma moeda para nos fazer sorrir o coração. E quem continuar a apostar nestas estratégias acabará por perceber que a paciência é, ao contrário do que se diz, o nosso pior defeito. Ficamos dependentes dela. E nunca mais ficamos independentes.
Fernando Sobral, Expresso, 23 de Maio de 1989

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domingo, novembro 02, 2008

2 de Novembro - Citação do Dia

Arima

Uma gaivota - dizes.
Sim, uma gaivota
passa distante, e arde.
O teu rosto é azul,
e contudo está cheio do oiro da tarde.

Uma gaivota.
alma do mar e tua,
abandona-se à luz.
E na boca nem eu sei
se me nasce o coração,
ou é a lua.

Eugénio de Andrade

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sábado, novembro 01, 2008

1 de Novembro - E Vão 253

Voilà, monsieur, une physique bien cruelle. On sera bien embarrassé à deviner comment les lois du mouvement opèrent des désastres si effroyables dans le meilleur des mondes possibles. Cent mille fourmis, notre prochain, écrasées tout d’un coup dans notre fourmilière, et la moitié périssant sans doute dans des angoisses inexprimables au milieu des débris dont on ne peut les tirer : des familles ruinées aux bouts de l’Europe, la fortune de cent commerçants de votre patrie abîmée dans les ruines de Lisbonne. Quel triste jeu de hasard que le jeu de la vie humaine ! que diront les prédicateurs, surtout si le palais de l’inquisition est demeuré debout ? Je me flatte qu’au moins les révérends pères inquisiteurs auront été écrasés comme les autres.

Voltaire

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