sexta-feira, novembro 14, 2008

14 de Novembro - Do Baú das Crónicas

A Aventura da Juventude
Quando é que deixam de me tratar como um jovem? Que idade é que é preciso atingir para perder esse labéu? Ainda recentemente a UNITA convidou-me para integrar um grupo de jovens que ia visitar a Jamba. Vi uma fotografia dos que foram. Tinham todos dezassete anos. Todos os dias me convidam para ser jovem. Porque é que não me deixam puxar a manta para cima dos joelhos e envelhecer?
Não tenho nada contra os jovens. Nem, pensando bem, nada a favor. Gostei de ser jovem. Mas trinta e três anos de juventude é demais. É como uma refeição que consiste apenas de melão com presunto. Acompanhado por um copo de leite com palhinha às riscas. Basta. Agora queria ser um homem. Será assim tão descabido? Porque é que não posso ser um senhor como os outros?
Como se faz muita confusão neste país com a juventude, seria bom que se estabelecesse, duma vez por todas, uma escala. É-se bebé até aos 2 anos. Depois, catraio até aos 5. Aos 6 já se é uma criança. Aos 9 anos as crianças transformam-se em miúdos. Aos 12-13 anos não se é nada. Volta-se a ser gente aos 14. E começa-se a adolescência, que dura até aos 18, a idade adulta. É-se jovem. Francamente. Mas até quando? No máximo dos máximos até aos 24 anos. 24 anos já é muito ano. Um lombo com 24 anos já alancou muito. E mesmo assim, convém lembrar que a decadência física e mental já começou por volta dos 20 anos. Dos 25 aos 35 é-se já senhor ou senhora, absolutamente não-jovem. Aos 35 anos, por ser aproximadamente metade do nosso tempo de vida, começa a meia-idade. A meia-idade é a velhice no estado infantil, mas é velhice. Com 45 anos já somos verdadeiramente velhos. E que mal é que isso tem?
Eu tenho 33 anos e gostaria que me respeitassem, se faz favor. Que não me tratassem por tu. Que me ajudassem a atravessar a rua quando preciso. Queria que os maîtres dos restaurantes deste país não olhassem para mim com o ar que olham sempre, que é 'Olha aquele puto orelhudo da televisão. Como é que ele veio aqui parar?' Queria um bocadinho de cerimónia. É pedir muito? Que idade é que é preciso ter para ter a atenção dos gerentes bancários? Porque é que ninguém me dá um cartão de crédito? Quero um cartão de crédito. Vou comprar uma bengala.
O direito à juventude já está mais que batido. Está consagrado na Constituição. Há um ministro da coisa. Mas ninguém fala do direito à meia-idade. Porque é que não hei-de reivindicar o direito de ser tratado pelo apelido por homens gordos de fato e gravata? Sonho com isso. Dão-me palmadas nas costas e dizem 'Ó Esteves Cardoso!'. Quero ficar à cabeça da mesa a comer cozido à portuguesa e a fazer festas rudes nas cabeças de muitas crianças à minha volta. Quero ser confrontado por pessoas adultas em reuniões à séria em que me digam 'Sabe, Esteves Cardoso - surgiu um problema'. Quero ser rouco. Queria ter barba. Quero ser tratado como a minha idade merece.
Não é isso que as pessoas fazem. O que as pessoas fazem é vir ter comigo cada vez que há um empreendimento que inclua a palavra 'jovem'. Querem que eu fale com os jovens sobre os problemas dos jovens. Mas porquê? Não quero ser o jovem avançadinho de serviço aos velhadas. Quero ser tratado como um crescido. Quero falar sobre problemas enormes, como a fome no mundo. Mas para isso ninguém me convida. Só para falar sobre a fome do mundo entre os jovens.
A palavra 'jovem' agonia-me. As pessoas importantes que vou conhecendo fazem sempre questão de sublinhar que 'os meus filhos gostam muito de ler as suas coisas', mas eles, adultos, não. O general Eanes, na única vez que o conheci, disse-me que lá em casa tinha um admirador, embora ele e a esposa não apreciassem. É o que toda a gente diz. Porque é que só os j***** me lêem? Pelas cartas que recebo, são cada vez mais j*****. Será o meu estilo que impede as pessoas com mais de 15 anos de me apreciar? Será o meu cérebro que se está a infantilizar? Daqui a uns anos só me restarão leitores de 7 a 8 anos? Quero ser lido por crescidos. Quero ser considerado. Quero que se discutam as minhas opiniões nos cafés. Sonho com a ideia de quatro senhores idosos sentados à mesa do Café Nicola a dizer 'Viu o editorial do Esteves Cardoso sobre as taxas de juro?' O que acontece é que vêm ter comigo miúdos de 11 anos a dizer 'Achei muita giro aquilo que escreveste sobre o problema das borbulhas'.
A semana passada recebemos uma carta do ministro das Finanças e, isso sim, fez-me sentir momentaneamente adulto mas a sensação durou pouco tempo porque percebi que nos estava a chamar garotos. Que é o mesmo que dizer j*****.
Quero ser tratado por doutor por outros doutores em almoços acerca de coisas graves. Isto nunca acontece. O que acontece é j***** chamarem-me 'Ó MEC!' e às vezes acrescentam 'Baixa as orelhas que ainda levantas voo'. E há outra coisa que me irrita. Quando entro num estabelecimento, num comboio ou em qualquer sítio público, se há um louco varrido, vem sentar-se ao pé de mim. Se há uma mulher daquelas com pêlos nas pernas, que gritam sempre as mesmas palavras, género 'Carago, carago,carago!' e têm os cabelos todos levantados, é uma lei matemática que me escolhe para desabafar. Se há um arruaceiro, é comigo sempre que se vem meter. Farto-me de andar à chapada. Ninguém me respeita. Tratam-me como um j****. Isto é, mal. Quando me tornei professor na universidade tinha 25 anos e pensei que a minha juventude tinha acabado e que eu ia ser respeitado. Mas os alunos não eram capazes de dizer 'professor' sem sorrir. durante cinco anos não vi uma cara séria. Metade dos alunos era mais velha do que eu e tratavam-me como uma criança, a outra metade tratava-me como um crítico de música pop. Tudo por eu ser j****. Não há outras pessoas que possam fazer de j*****? Porque é que hei-de ser sempre eu? Eu não sou j****. Tenho cabelos brancos. O tempo está a passar e eu já vou atrasado para gozar a minha meia-idade. O meu pesadelo é passar directamente de j**** para jarreta, sem período intermédio. Toda a gente tem direito a um período intermédio.
Em Portugal, é pior. É-se j**** durante mais tempo. Um homem com 44 anos que queira ser j**** tem apenas de se tornar agricultor para sê-lo, já que as bolsas para 'jovens agricultores' vão até aos 45 anos. 45 anos! Será que acresce o prazer de ficar sob a tutela do ministro da Juventude? 45 anos! Nunca mais tenho 45 anos. Vai-me matar ser jovem tanto tempo.
Miguel Esteves Cardoso, O Independente, 16 de Setembro de 1989

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2 Comments:

Blogger Misterioso said...

Bonito este blog passe tb pelo meu estou a começar.

3:35 da tarde  
Blogger ana said...

Este comentário foi removido pelo autor.

4:29 da tarde  

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