sábado, janeiro 31, 2009

31 de Janeiro - Citação do Dia



A representação do actor no cinema baseia-se numa dialética particular. 'Seja natural', é o que se pede aos actores; por isso o natural torna-se em certa medida a única técnica que lhes é ensinada. Mas, por isso mesmo, este natural do cinema torna-se uma estilização, um não-realismo, visto que, ao contrário da árvore, é característica do homem não ser natural nas suas inabilidades, asneiras e titubeios. Daí advém uma nova dialética do natural-artificial que leva os actores a manter certos tiques - sacudir o casaco, passar as mãos pelo cabelo - sem contar com esse sinal chave do 'natural': acender um cigarro. E os actores são considerados grandes no natural precisamente quando ultrapassaram os tiques e o natural estereotipado, recuperam com à-vontade a titubeação e a inabilidade e parecem inventar em cada gesto o natural.

Edgar Morin, As Estrelas de Cinema

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sexta-feira, janeiro 30, 2009

30 de Janeiro - Citação do Dia

in Nas Asas de um Anjo

Some were as loved loved, some as prizes prized.
A natural wife to the fed man my mate,
I was sufficient to whom I sufficed.
I moved, slept, bore and aged without a fate.

Fernando Pessoa

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quinta-feira, janeiro 29, 2009

29 de Janeiro - Citação do Dia

in rumela's web

Há raros momentos na vida em que a intensidade de uma emoção oculta que sentimos por outra pessoa - uma animosidade reprimida ou um amor louco - vem de repente à superfície do consciente com imediata clareza. Às vezes é como um cataclismo físico para sempre inesquecível.

William Styron, Sofia

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quarta-feira, janeiro 28, 2009

28 de Janeiro - Citação do Dia

Moshe Shai, Homeless Man Reading Books

Poema do Futuro

Conscientemente escrevo e, consciente,
medito o meu destino.

No declive do tempo os anos correm,
Deslizam como a água, até que um dia
um possível leitor pega num livro
e lê,
lê displicentemente,
por mero acaso, sem saber porquê.
Lê, e sorri.
Sorri da construção do verso que destoa
no seu diferente ouvido;
sorri dos termos que o poeta usou
onde os fungos do tempo deixaram cheiro a mofo;
e sorri, quase ri, do íntimo sentido,
do latejar antigo
daquele corpo imóvel, exhumado
da vala do poema.

Na História Natural dos sentimentos
tudo se transformou.
O amor tem outras falas,
a dor outras arestas,
a esperança outros disfarces,
a raiva outros esgares.

Estendido sobre a página, exposto e descoberto,
exemplar curioso de um mundo ultrapassado,
é tudo quanto fica,
é tudo quanto resta
de um ser que entre outros seres
vagueou sobre a terra.

António Gedeão

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segunda-feira, janeiro 26, 2009

Parabéns, H!


in Eat Our Brains

O amor é tudo na vida dos homens: quando aparece é como se o mundo se transformasse, como se tudo se cobrisse de rosas, como se a atmosfera se perfumasse, como se os homens ficassem melhores. Todos pensam na sua amada durante o dia, nas horas de trabalho. Seja o milionário que ganha rios de dinheiro com um simples telefonema, seja a datilógrafa que bate à máquina no escritório medíocre, seja o revolucionário que espera a morte num campo de concentração, seja o inútil que dorme até o meio-dia e que não tem o que fazer durante a tarde, seja o mestre de saveiro atravessando as águas com seu barco. Todos pensam um momento em seu amor, pensam com alegria, aquilo os descansa dos milhões, da sua máquina de escrever, da morte próxima, da inutilidade que igualmente pesa.

Jorge Amado, São Jorge dos Ilhéus

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domingo, janeiro 25, 2009

25 de Janeiro - Citação do Dia

in A Lição de Salazar

Escola

Os meninos estão sentados
com um ar baço de tédio,
E entre os meninos eu,
eu de mim, menino, lembrado,
mas já distante sem remédio.

Outra vez, menino, oiço
a voz vagarosa e dura
do professor a repetir,
a repetir, como um baloiço,
a mesma pergunta obscura.

Outra vez, menino, fujo,
embora imaginariamente,
da aula monótona e parada,
e me perco no pó da estrada
à minha própria procura.

Armindo Rodrigues

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quinta-feira, janeiro 22, 2009

22 de Janeiro - Do Baú das Crónicas

Foto in Globo Online

Um Exemplo de Patriotismo

Itaparica, 5 de agosto de 1983.
Meu Querido Zé,
Você ficará orgulhoso em saber que aquele tremendo carreto para cana de pesca que tive oportunidade de experimentar na sua presença, na redacção d''o bisnau' (com o Praça, invejosamente, fazendo o possível para quebrá-lo e declará-lo imprestável), já fez o seu batismo de fogo: ontem mesmo comemos do peixinho pescado aqui por este seu admirador e amigo.
Devo admitir que, inicialmente, o carreto ofereceu algumas dificuldades, mas estas terminaram por ser inteiramente superadas, depois de eu gastar apenas uns 800 metros de linhas de náilon, todas reduzidas a verdadeiros novelos inextricavelmente enrolados.
Pois é, pois enfim, eis-nos, Bento Português, Berenice Grávida e eu, cá em Itaparica. Não dispomos, é claro, do conforto e das muitas e luxuosas regalias de que desfruta o nosso Zé Cardoso Pires na Costa de Caparica - mas também ninguém aqui é escritor premiado de 'best-sellers', cada qual tem de se conformar com o que pode ter. Mas vamos passando e, se a tanto me ajudar carreto e arte, não faltarão peixadas à família. O resto não, mas o peixe eu garanto, sou um homem de carácter e um pescador irreprensível.
Seu patrício, que já fez dois anos e dois meses, quase três, é quem tem gostado mais. Foge de casa toda a vez que encontra o portão aberto. Na primeira vez, informou às pessoasque o encontraram vagabundando pela sua que seus pais haviam viajado para a Bahia, deixando-o sozinho em casa. Na segunda vez, indagado sobre sua identidade, respondeu, com a sua marcante pronúncia:
- Sou putoguês.
Veja que belo exemplo de patriotismo! Português, antes de tudo. E, como não temos, aqui em Itaparica, muitos portugueses de dois anos de idade perambulando pelas ruas da vila, ele foi prontamente recambiado à nossa casa. Na primeira vez, demonstrou habilidade para respostas prontas e fantasiosas. Na segunda, esse patriotismo arraigado e orgulhoso. Vou aconselhá-lo a manter a cidadania e, assim que completar a idade, candidatar-se à Assembleia Nacional, já que reúne tão espectaculares predicados para a carreira política, não acha você? Quanto a mim, meu interesse consiste em ser pai de um deputado português e assim, mesmo que por vias non rectas, conseguir acesso regular ao bar lá de São Bento. O mesmo Afonso Praça que agrediu meu carreto me revelou que lá o uísque custa uns 50 escudos a dose, ou coisa por aí. É bem verdade que pode ser da famosa marca secreta Old Sacavém, mas não vem ao caso. A 50 escudos a dose, eu (e o Praça) bebo qualquer coisa. Esse menino tem de fazer alguma coisa pelo pai, que está ficando velho e, ultimamente, tem-se submetido à humilhação, ditada pela precariedade das suas tradicionalmente combalidas finanças, de beber cachaça com limão em botecos de má reputação. Saudades de Lisboa, meu Zé, com o Cardoso Pires gastando a maior parte dos seus 700 e tal contos do prêmio em uísque para mim - é um grande colega, isso ninguém pode negar e não creio que nem mesmo o seu futuro Prêmio Nobel lhe suba à cabeça. O Prêmio Nobel, aliás, dá para um bocado de uísque e, consequentemente, já me declaro engajado na campanha pelo nosso Cardoso Pires, quero ser o primeiro a assinar a lista de adesão.
Quanto ao Brasil, confesso a você que tenho pensado mais no peixe do que na situação nacional. Como estamos sem televisor aqui, nem ao menos sei do que andam perpetrando nos últimos dias e - graças a Deus - estamos tão longe que, quando o mundo acabar, só vamos saber uns dez dias depois. E aí, como vão as coisas? Quantas vezes salvaram Portugal esta semana? E a crise? Tem chovido? E a miúda da livraria? Diga-lhe que perdoo tudo, passemos uma esponja no passado. Beijinhos às meninas do 'Se7e' (não exagere no cumprimento desta última missão, só quem pode exagerar com elas sou eu). No mais, lembranças a todos, um dia destes eu apareço outra vez por aí. E, desta vez, quando passarmos pela Póvoa, levo a cana e o carreto para lhe mostrar um par de coisas.
Do seu velho lobo do mar,
J.U.

João Ubaldo Ribeiro, Se7e, 31 de Agosto de 1983


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sexta-feira, janeiro 16, 2009

16 de Janeiro - Citação do Dia

Rimi Yang, Love's Secret

Love's Secret

Never seek to tell thy love,
Love that never told can be;
For the gentle wind doth move
Silently, invisibly.

I told my love, I told my love,
I told her all my heart,
Trembling, cold, in ghastly fears.
Ah! she did depart!

Soon after she was gone from me,
A traveller came by,
Silently, invisibly:
He took her with a sigh.


William Blake

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quarta-feira, janeiro 14, 2009

Sempre, Mariana



Viver! Beber o vento e o sol! Erguer
Ao céu os corações a palpitar!
Deus fez os nossos braços pra prender,
E a boca fez-se sangue para beijar!

A chama, sempre rubra, ao alto a arder!
Asas sempre perdidas a pairar!
Mais alto até as estrelas desprender!
A glória! A fama! Orgulho de criar!

Da vida tenho o mel e tenho os travos
No lago dos meus olhos de violetas,
Nos meus beijos estáticos, pagãos!

Trago na boca o coração dos cravos!
Boémios, vagabundos, e poetas,
Como eu sou vossa Irmã, ó meus irmãos!

Florbela Espanca


Mariana Estenaga Saragoça
23 de Novembro de 1938
14 de Janeiro de 2009

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quarta-feira, janeiro 07, 2009

Tânia

Esta é a Tânia. Tem 26 anos. Está neste momento no Hospital de Santa Marta, em Lisboa, literalmente entre a vida e a morte, dependente de um transplante cardíaco. Está demasiado frágil para ser ligada a máquinas ou para receber um coração artificial. Este coração tão fraco, que não a sustenta, é dos maiores que conheço.

Não sou cristã. Não sei rezar. Não tenho crenças que possam ajudar a Tânia. Mas gostava muito de ter. Por isso meto uma cunha a todos os que me lêem e têm boas relações com o Divino, para que lhe peçam um coração novo para ela. E forças para a família e o namorado neste transe tão inacreditavelmente difícil.

Os amigos da Tânia (Snowshoee no Bookcrossing), resolveram abrir um blog de apoio a ela e à família. Se vos apetecer visitar e deixar uma mensagem, são mais do que bem-vindos. Lá poderão também saber as actualizações do seu estado de saúde.

Precisamos todos muito dela. Ajudem-nos. Ajudem-na. Mantenham-na nos vossos pensamentos, rezem, acendam velas, prometam deixar de fumar ou outra coisa qualquer, não sei, façam qualquer disparate que vos pareça meritório, e cumpram-no. Obrigada.

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7 de Janeiro - Citação do Dia

Em geral, Amory apreciava os homens individualmente, mas temia-os convertidos em multidão, a menos que essa multidão lhe servisse de esteio.

F. Scott Fitzgerald, Este Lado do Paraíso

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terça-feira, janeiro 06, 2009

6 de Janeiro - Do Baú das Crónicas

O meu cotidiano

Quando eu era menino sentia cócegas no corpo inteiro. O que está de acordo com a idéia da psicanálise de que, no início, o corpo inteiro é órgão sexual. Todo toque me excitava. As cócegas são uma ereção da pele. Aí a velhice chegou, e a libido encolheu. Hoje só sinto cócegas na sola dos pés.
Coisa muito próxima das cócegas são as coceiras. De todas, a mais deliciosa é a coceira do bicho, a "tunga penetrans". A "tunga penetrans" vive na proximidade dos chiqueiros e se aloja nos dedos do pé dos humanos formando uma bolha que deve ser extraída com uma agulha.
Dói um pouco pra tirar, mas os dividendos são enormes: a coceira que se segue se assemelha a um orgasmo. Uma jovem das antigas, virgem, preocupada com a noite de núpcias, perguntou à mãe: "Doí muito? A mãe, sábia, respondeu: "É como bicho de pé. Dói no início, mas depois você não quer parar de esfregar..."
O problema com a coceira é que ela dá tanto prazer que a gente coça até sangrar. Quem já teve frieira sabe o que estou dizendo. O que nos dá uma pista para entender os mecanismos do masoquismo: a dor misturada com o prazer.
Para mim o humor da política é igual à coceira da frieira: provoca prazer, mas faz sangrar. O riso do humor político nasce de um sofrimento. Nunca rimos tanto! Nunca sofremos tanto!
Essa imagem me veio quando comecei a pensar sobre minhas atividades de escritor. Um amigo me sugeriu tomar as notícias políticas como tema das minhas crônicas. Isso até pode acontecer, de vez em quando. Mas o fato é que as notícias políticas não me excitam, não fazem cócegas na imaginação. Só consigo escrever quando alguma coisa me produz cócegas na alma. Isso quer dizer que não é possível escrever um artigo por encomenda. De vez em quando atendo a pedidos. Mas artigo por encomenda sai sofrido, sem leveza.
Acontece que o cotidiano dos jornais não é o cotidiano da minha alma. O cotidiano dos jornais é feito de coisas importantes, universais, que aparecem nas manchetes: juros, corrupções, guerras, esportes. Mas o meu cotidiano é feito de coisas irrelevantes que, freqüentemente, só eu percebo. São as coisas sem importância que me fazem cócegas. Já escrevi sobre a pipoca, sobre as dentaduras, sobre o cuspe, sobre o tênis e o frescobol, sobre as cebolas. Como escrevi? Não sei. A imagem simplesmente me fez cócegas, e eu fui obrigado a escrever.
Como me aconteceu faz uns dias. Eu estava a ponto de entrar no Bem-Bom, restaurante onde cozinha uma Babette chamada dona Sônia, quando fui parado por dois jovens sorridentes e bem vestidos. Passaram-me um panfleto. Pensei que fossem mórmons à procura de mais um converso.
Li a primeira frase do panfleto. Fiquei horrorizado com o que li: "O senhor quer ler um livro em 20 minutos e entender tudo?" Faziam propaganda da leitura dinâmica, minha arquiinimiga. O palhaço que mora em mim entrou no picadeiro. "Ler um livro em 20 minutos? Isso é invenção do Demônio! Os senhores quereriam ouvir a Nona Sinfonia em 20 minutos? Quereriam ler "Grande Sertão: Veredas" em 20 minutos? Caminhando assim em breve teremos cursos de sexo dinâmico em que tudo se consuma em cinco segundos, à semelhança dos galos e das galinhas, economizando assim um tempo precioso para o trabalho! O prazer quer gozar devagar... É preciso ler bovinamente, ruminando... E agora os senhores me oferecem um método que vai me roubar dos meus prazeres?"
Foi maldade minha. Eles ficaram a me olhar, perplexos. Certamente acharam que eu era doido... Não sem uma certa dose de razão. Afinal de contas usei o meu precioso espaço para falar sobre o meu insignificante cotidiano que a ninguém interessa...

Rubem Alves, Folha de São Paulo, 21 de Fevereiro de 2006

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segunda-feira, janeiro 05, 2009

5 de Janeiro - Citação do Dia

in Op For

Não sei o quê desgosta
A minha alma doente.
Uma dor suposta
Dói-me realmente.

Como um barco absorto
Em se naufragar
À vista do porto
E num calmo mar,

Por meu ser me afundo,
Pra longe da vista
Durmo o incerto mundo.

26-7-1910

Fernando Pessoa

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domingo, janeiro 04, 2009

4 de Janeiro - Citação do Dia

James Christensen, All the World's a Stage

No mundo há os cretinos, os imbecis, os estúpidos e os doidos.
- Falta alguém?
- Sim, nós os dois, por exemplo. Ou pelo menos eu, sem ofensa. Mas em resumo, vendo bem, seja quem for pertence a uma destas categorias. Cada um de nós de vez em quando é cretino, imbecil, estúpido ou doido. Digamos que a pessoa normal é a que mistura de maneira razoável todos estes componentes, todos estes tipos ideais.

Umberto Eco, O Pêndulo de Foucault

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sábado, janeiro 03, 2009

3 de Janeiro - Citação do Dia

in Gadget Lab



já não é hoje?
não é aquioje?

já foi ontem?
será amanhã?

já quandonde foi?
quandonde será?

eu queria um jázinho que fosse
aquijá
tuoje aquijá.

Alexandre O'Neill

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