quarta-feira, maio 31, 2006
segunda-feira, maio 29, 2006
29 de Maio - Citação do Dia
Navio Naufragado
Vinha dum mundo
Sonoro, nítido e denso.
E agora o mar o guarda no seu fundo
Silencioso e suspenso.
É um esqueleto branco o capitão,
Branco como as areias,
Tem duas conchas na mão,
Tem algas em vez de veias
E uma medusa em vez de coração.
E em seu redor as grutas de mil cores
Tomam formas incertas quase ausentes
E a cor das águas toma a cor das flores
E os animais são mudos, transparentes.
E os corpos espalhados nas areias
Tremem à passagem das sereias -
Das sereias leves de cabelos roxos
Que têm olhos vagos e ausentes
E verdes como os olhos das videntes.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Espertalhotes: joana, trovador, papalagui
Vinha dum mundo
Sonoro, nítido e denso.
E agora o mar o guarda no seu fundo
Silencioso e suspenso.
É um esqueleto branco o capitão,
Branco como as areias,
Tem duas conchas na mão,
Tem algas em vez de veias
E uma medusa em vez de coração.
E em seu redor as grutas de mil cores
Tomam formas incertas quase ausentes
E a cor das águas toma a cor das flores
E os animais são mudos, transparentes.
E os corpos espalhados nas areias
Tremem à passagem das sereias -
Das sereias leves de cabelos roxos
Que têm olhos vagos e ausentes
E verdes como os olhos das videntes.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Espertalhotes: joana, trovador, papalagui
Etiquetas: poeSophia
domingo, maio 28, 2006
sexta-feira, maio 26, 2006
26 de Maio - Citação do Dia
Meu ser vive na Noite e no Desejo.
Minha alma é uma lembrança que há em mim.
Fernando Pessoa
Espertalhotes: joana, neptumância
Minha alma é uma lembrança que há em mim.
Fernando Pessoa
Espertalhotes: joana, neptumância
Etiquetas: pessoanas
quinta-feira, maio 25, 2006
25 de Maio - Citação do Dia
Só a falsidade premeditada pode dar uma impressão de perfeição, e a verdadeira sinceridade apresenta sempre, ao mesmo tempo, qualidades e defeitos.
Alberto Moravia, A Romana
Alberto Moravia, A Romana
Etiquetas: lapidares
quarta-feira, maio 24, 2006
24 de Maio - Citação do Dia
O Objecto
Há que dizer-se das coisas
o somenos que elas são.
Se for um copo é um copo
se for um cão é um cão.
Mas quando o copo se parte
e quando o cão faz ão ão?
Então o copo é um caco
e um cão não passa dum cão.
Quatro cacos são um copo
quatro latidos um cão.
Mas se forem de vidraça
e logo forem janela?
Mas se forem de pirraça
e logo forem cadela?
E se o copo for rachado?
E se o cão não tiver dono?
Não é um copo é um gato
não é um cão é um chato
que nos interrompe o sono.
E se o chato não for chato
e apenas cão sem coleira?
E se o copo for de sopa?
Não é um copo é um prato
não é um cão é literato
que anda sem eira nem beira
e não ganha para a roupa.
E se o prato for de merda
e o literato for de esquerda?
Parte-se o prato que é caco
mata-se o vate que é cão
e escreveremos então
parte prato, sape gato
vai-te vate foge cão
Assim se chamam as coisas
pelo nome que elas são.
José Carlos Ary dos Santos
Espertalhotes: papalagui, neptumância, joana
Há que dizer-se das coisas
o somenos que elas são.
Se for um copo é um copo
se for um cão é um cão.
Mas quando o copo se parte
e quando o cão faz ão ão?
Então o copo é um caco
e um cão não passa dum cão.
Quatro cacos são um copo
quatro latidos um cão.
Mas se forem de vidraça
e logo forem janela?
Mas se forem de pirraça
e logo forem cadela?
E se o copo for rachado?
E se o cão não tiver dono?
Não é um copo é um gato
não é um cão é um chato
que nos interrompe o sono.
E se o chato não for chato
e apenas cão sem coleira?
E se o copo for de sopa?
Não é um copo é um prato
não é um cão é literato
que anda sem eira nem beira
e não ganha para a roupa.
E se o prato for de merda
e o literato for de esquerda?
Parte-se o prato que é caco
mata-se o vate que é cão
e escreveremos então
parte prato, sape gato
vai-te vate foge cão
Assim se chamam as coisas
pelo nome que elas são.
José Carlos Ary dos Santos
Espertalhotes: papalagui, neptumância, joana
Etiquetas: poemas
terça-feira, maio 23, 2006
23 de Maio - Citação do Dia
A felicidade, como história, escreve-se em poucas páginas: é idílio de curto fôlego; no sentir intraduzível da consciência é que ela encerra epopeias infinitas; - enquanto que a desgraça não demarca balizas à experiência nem à imaginação.
Para o amor maldito, duzentas páginas; para o amor de salvação as poucas restantes do livro. Volume que descrevesse um amor de bem-aventuranças terrenas, seria uma fábula.
Camilo Castelo Branco, Amor de Salvação
Para o amor maldito, duzentas páginas; para o amor de salvação as poucas restantes do livro. Volume que descrevesse um amor de bem-aventuranças terrenas, seria uma fábula.
Camilo Castelo Branco, Amor de Salvação
Etiquetas: citações
segunda-feira, maio 22, 2006
22 de Maio - Citação do Dia
Acorde
Onde passou o vento
são altas as ervas,
e os olhos água
só de olhar para elas.
Eugénio de Andrade
Onde passou o vento
são altas as ervas,
e os olhos água
só de olhar para elas.
Eugénio de Andrade
Etiquetas: euGénio
domingo, maio 21, 2006
21 de Maio - Citação do Dia
O inferno são os tratados de Psiquiatria, o inferno é a invenção da loucura pelos médicos, o inferno é esta estupidez de comprimidos, esta incapacidade de amar, esta ausência de esperança, esta pulseira japonesa de esconjurar o reumatismo da alma com uma cápsula à noite, uma ampola bebível ao pequeno-almoço e a incompreensão de fora para dentro da amargura e do delírio.
António Lobo Antunes, Conhecimento do Inferno
Espertalhota: papalagui
António Lobo Antunes, Conhecimento do Inferno
Espertalhota: papalagui
Etiquetas: ALA é grande
sábado, maio 20, 2006
20 de Maio - Citação do Dia
'Sou eu, ó céu! - Anjo falhado,
perdi, jogando fluidos dados,
no pano esverdeado
deste Mar,
as asas e a vontade de voar.
'Não salvei do naufrágio a embarcação.
Detive-me a rolar por estas vagas,
joguei-me contra as fragas...
Já sem asas,
ó céu!, aceita a minha demissão!
'Serei o precursor? Eis-me liberto
de tanta terra vil que o céu reflecte.
Ó líquido deserto
onde se perde
o vestígio dos erros encobertos!
'Por mim não quero já missão nenhuma,
senão tal jogo de onda e de mais onda.
a surpresa da espuma!
e a profunda
tentação de morrer em cada onda'.
David Mourão-Ferreira
Espertalhote: eduardo
perdi, jogando fluidos dados,
no pano esverdeado
deste Mar,
as asas e a vontade de voar.
'Não salvei do naufrágio a embarcação.
Detive-me a rolar por estas vagas,
joguei-me contra as fragas...
Já sem asas,
ó céu!, aceita a minha demissão!
'Serei o precursor? Eis-me liberto
de tanta terra vil que o céu reflecte.
Ó líquido deserto
onde se perde
o vestígio dos erros encobertos!
'Por mim não quero já missão nenhuma,
senão tal jogo de onda e de mais onda.
a surpresa da espuma!
e a profunda
tentação de morrer em cada onda'.
David Mourão-Ferreira
Espertalhote: eduardo
Etiquetas: cachimbo
sexta-feira, maio 19, 2006
19 de Maio - Citação do Dia
Esse primeiro palpitar da seiva, essa revelação da consciência de si própria, nunca mais me esqueceu, nem achei que lhe fosse comparável qualquer outra sensação da mesma espécie. Naturalmente por ser minha. Naturalmente também por ser a primeira.
Machado de Assis, Dom Casmurro
Machado de Assis, Dom Casmurro
Etiquetas: close to home
quinta-feira, maio 18, 2006
18 de Maio - Citação do Dia
Leve no cimo das ervas
O dedo do vento roça...
Elas dizem-me que sim...
Mas eu já não sei de mim
Nem do que queira ou que possa.
E o alto frio das ervas
Fica no ar a tremer...
Parece que me enganaram
E que os ventos me levaram
O com que me convencer.
Mas no relvado das ervas
Nem bole uma agora só.
Porque pus eu uma esperança
Naquela inútil mudança
De que nada ali ficou?
Não: o sossego das ervas
Não é o de há pouco já.
Que inda a lembrança do vento
Me as move no pensamento
E eu tenho porque não há.
Fernando Pessoa
Espertalhotes: joana, eduardo
O dedo do vento roça...
Elas dizem-me que sim...
Mas eu já não sei de mim
Nem do que queira ou que possa.
E o alto frio das ervas
Fica no ar a tremer...
Parece que me enganaram
E que os ventos me levaram
O com que me convencer.
Mas no relvado das ervas
Nem bole uma agora só.
Porque pus eu uma esperança
Naquela inútil mudança
De que nada ali ficou?
Não: o sossego das ervas
Não é o de há pouco já.
Que inda a lembrança do vento
Me as move no pensamento
E eu tenho porque não há.
Fernando Pessoa
Espertalhotes: joana, eduardo
Etiquetas: pessoanas
quarta-feira, maio 17, 2006
sábado, maio 06, 2006
sexta-feira, maio 05, 2006
5 de Maio - Citação do Dia
Noite
Milhões de barcos perdidos no mar!
Perdidos na noite!
As velas rasgando de todos os ventos.
Os lemes sem tino
Vagando ao acaso
Roçando no fundo
Subindo na vaga
Tocando nas rochas!
E quantos e quantos naufragando...
Quem vem acender faróis na costa do mar bravo?!
Quem?!
Manuel da Fonseca
Espertalhote: eduardo
Milhões de barcos perdidos no mar!
Perdidos na noite!
As velas rasgando de todos os ventos.
Os lemes sem tino
Vagando ao acaso
Roçando no fundo
Subindo na vaga
Tocando nas rochas!
E quantos e quantos naufragando...
Quem vem acender faróis na costa do mar bravo?!
Quem?!
Manuel da Fonseca
Espertalhote: eduardo
Etiquetas: poemas
quinta-feira, maio 04, 2006
4 de Maio - Citação do Dia
"C'est par mon corps que je comprends autrui." Ser expulso de um calor que é o do sangue, eis a miséria. Só através do corpo nos poderemos erguer à divindade de que formos capazes, até deixar de ser, na frágil e precária luz da terra, o mais estrangeiro dos seus habitantes.
Eugénio de Andrade, Rosto Precário
Eugénio de Andrade, Rosto Precário
Etiquetas: euGénio
quarta-feira, maio 03, 2006
3 de Maio - Citação do Dia
Quando nós vamos ambos, de mãos dadas,
Colher nos vales lírios e boninas,
E galgamos d'um fôlego as colinas
Dos rocios da noite inda orvalhadas;
Ou, vendo o mar, das ermas cumeadas,
Contemplamos as nuvens vespertinas,
Que parecem fantásticas ruínas
Ao longe, no horizonte amontoadas:
Quantas vezes, de súbito, emudeces!
Não sei que luz no teu olhar flutua;
Sinto tremer-te a mão, e empalideces...
O vento e o mar murmuram orações,
E a poesia das coisas se insinua
Lenta e amorosa em nossos corações.
Antero de Quental
Colher nos vales lírios e boninas,
E galgamos d'um fôlego as colinas
Dos rocios da noite inda orvalhadas;
Ou, vendo o mar, das ermas cumeadas,
Contemplamos as nuvens vespertinas,
Que parecem fantásticas ruínas
Ao longe, no horizonte amontoadas:
Quantas vezes, de súbito, emudeces!
Não sei que luz no teu olhar flutua;
Sinto tremer-te a mão, e empalideces...
O vento e o mar murmuram orações,
E a poesia das coisas se insinua
Lenta e amorosa em nossos corações.
Antero de Quental
Etiquetas: ilhas na corrente
terça-feira, maio 02, 2006
ABRIL - ESPERTALHOTE DO MÊS
O Homem Que Não Queria Ser Espertalhote
A sua inteligência oprimia-o. A sua cultura era um fardo que lhe pesava como uma maldição - dir-se-ia que a adquirira involuntariamente, como uma camada de sarampo. Há muito que se conformara a viver num mundo medíocre, em que esses atributos apenas lhe traziam olhares invejosos e insinuações escarninhas. Habituara-se a escondê-los, e negá-los, e já quase esquecera a sua existência.
Um dia conheceu este blog. Espantoso. O único sítio onde ter lido tudo e mais alguma coisa podia ter utilidade. Durante meses lutou contra a tentação de gritar: 'Sim, eu sei quem é o autor! Sei-os todos!' À timidez acrescentava a humildade. Sem se aperceber, acrescentara mais esse peso ao fardo que arrastava na vida.
Desesperado, fugiu para longe, para um país de cores quentes e sabedoria ancestral, onde poderia quiçá fundir-se na multidão e esquecer-se de si. Foi aí, à beira do Ganges, que chocou de frente com uma epifania. Uma luz branca quase o cegou, enquanto mil carrilhões lhe tangiam aos ouvidos. Depois, ouviu uma voz muito suave dentro de si: 'A modéstia excessiva mais não é do que uma forma de soberba.'
A sua demanda terminara. Lançou rapidamente para a mochila uns poucos pertences e souvenirs e empreendeu o regresso. Nunca ninguém foi tão longe por este blog.
Eis a história do homem que quis fugir ao seu destino de Espertalhote do Mês, o nosso humilde eduardo.
A sua inteligência oprimia-o. A sua cultura era um fardo que lhe pesava como uma maldição - dir-se-ia que a adquirira involuntariamente, como uma camada de sarampo. Há muito que se conformara a viver num mundo medíocre, em que esses atributos apenas lhe traziam olhares invejosos e insinuações escarninhas. Habituara-se a escondê-los, e negá-los, e já quase esquecera a sua existência.
Um dia conheceu este blog. Espantoso. O único sítio onde ter lido tudo e mais alguma coisa podia ter utilidade. Durante meses lutou contra a tentação de gritar: 'Sim, eu sei quem é o autor! Sei-os todos!' À timidez acrescentava a humildade. Sem se aperceber, acrescentara mais esse peso ao fardo que arrastava na vida.
Desesperado, fugiu para longe, para um país de cores quentes e sabedoria ancestral, onde poderia quiçá fundir-se na multidão e esquecer-se de si. Foi aí, à beira do Ganges, que chocou de frente com uma epifania. Uma luz branca quase o cegou, enquanto mil carrilhões lhe tangiam aos ouvidos. Depois, ouviu uma voz muito suave dentro de si: 'A modéstia excessiva mais não é do que uma forma de soberba.'
A sua demanda terminara. Lançou rapidamente para a mochila uns poucos pertences e souvenirs e empreendeu o regresso. Nunca ninguém foi tão longe por este blog.
Eis a história do homem que quis fugir ao seu destino de Espertalhote do Mês, o nosso humilde eduardo.
Etiquetas: espertalhotes