terça-feira, setembro 16, 2008

16 de Setembro - Parabéns, P!

Sinto que hoje novamente embarco
Para as grandes aventuras,
Passam no ar palavras obscuras
E o meu desejo canta - por isso marco
Nos meus sentidos a imagem desta hora.

Sonoro e profundo
Aquele mundo
Que eu sonhara e perdera
Espera
O peso dos meus gestos.

E dormem mil gestos nos meus dedos.

Desligadas dos círculos funestos
Das mentiras alheias,
Finalmente solitárias,
As minhas mãos estão cheias
De expectativa e de segredos
Como os negros arvoredos
Que baloiçam na noite murmurando.

Ao longe por mim oiço chamando
A voz das coisas que eu sei amar.
E de novo caminho para o mar.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Ilustre Blog Convidado da Semana

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sexta-feira, outubro 27, 2006

27 de Novembro - Citação do Dia

Homenagem a Ricardo Reis

Não creias, Lídia, que nenhum estio
Por nós perdido possa regressar
Oferecendo a flor
Que adiámos colher.

Cada dia te é dado uma só vez
E no redondo círculo da noite
Não existe piedade
Para aquele que hesita.

Mais tarde será tarde e já é tarde.
O tempo apaga tudo menos esse
Longo indelével rasto
Que o não vivido deixa.

Não creias na demora em que te medes
Jamais se detém Kronos, cujo passo
Vai sempre mais à frente
Do que o teu próprio passo.

Sophia de Mello Breyner Andresen

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sexta-feira, outubro 06, 2006

6 de Outubro - Citação do Dia

Praia

Na luz oscilam os múltiplos navios
Caminho ao longo dos oceanos frios

As ondas desenrolam os seus braços
E brancas tombam de bruços

A praia é longa e lisa sob o vento
Saturada de espaço e maresia

E para trás de mim fica o murmúrio
Das ondas enroladas como búzios.

Sophia de Mello Breyner Andresen

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segunda-feira, setembro 25, 2006

25 de Setembro - Citação do Dia

Crepúsculo dos Deuses

Um sorriso de espanto brotou nas ilhas de Egeu
E Homero fez florir o roxo sobre o mar
O Kouros avançou um passo exactamente
A palidez de Atena cintilou no dia

Então a claridade venceu os monstros nos frontões de todos os templos
E para o fundo do seu império recuaram os persas

Celebrámos a vitória: a treva
Foi exposta e sacrificada em grandes pátios brancos
O grito rouco do coro purificou a cidade

Como golfinhos a alegria rápida
Rodeava os navios
O nosso corpo estava nu porque encontrara
Sua medida exacta
Inventámos: as colunas de Sunion imanentes à luz.
O mundo era mais nosso cada dia

Mas eis que se apagaram
Os antigos deuses sol interior das coisas
Eis que se abria o vazio que nos separa das coisas
Somos alucinados pela ausência bebidos pela ausência
E aos mensageiros de Juliano a Sibila respondeu:

'Ide dizer ao rei que o belo palácio jaz por terra quebrado
Febo já não tem cabana nem loureiro profético nem fonte melodiosa
A água que fala calou-se'


Sophia de Mello Breyner Andresen

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quinta-feira, setembro 14, 2006

15 de Setembro - Citação do Dia

As Pessoas Sensíveis

As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas

O dinheiro cheira a pobre e cheira
À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra

'Ganharás o pão com o suor do teu rosto'
Assim nos foi imposto
E não:
'Com o suor dos outros ganharás o pão.'

Ó vendilhões do templo
Ó construtores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito

Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem.

Sophia de Mello Breyner Andresen

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terça-feira, setembro 05, 2006

5 de Setembro - Citação do Dia

Data
À maneira de Eustache Deschamps

Tempo de solidão e de incerteza
Tempo de medo e tempo de traição
Tempo de injustiça e de vileza
Tempo de negação

Tempo de covardia e tempo de ira
Tempo de mascarada e de mentira
Tempo de escravidão

Tempo dos coniventes sem cadastro
Tempo de silêncio e de mordaça
Tempo onde o sangue não tem rasto
Tempo de ameaça

Sophia de Mello Breyner Andresen

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segunda-feira, agosto 14, 2006

14 de Agosto - Citação do Dia

Ressurgiremos ainda sob os muros de Cnossos
E em Delphos centro do mundo
Ressurgiremos ainda na dura luz de Creta

Ressurgiremos ali entre as palavras
São o nome das coisas
E onde são claros e vivos os contornos
Na aguda luz de Creta

Ressurgiremos ali onde pedra e estrela e tempo
São o reino do homem
Ressurgiremos para olhar para a terra de frente
Na luz limpa de Creta.

Pois convém tornar claro o coração do homem
E erguer a negra exactidão da cruz
Na luz branca de Creta

Sophia de Mello Breyner Andresen

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sábado, julho 29, 2006

29 de Julho - Citação do Dia

Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso.

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo

Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento.

Sophia de Mello Breyner Andresen

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sábado, julho 15, 2006

15 de Julho - Citação do dia

O Soldado Morto

Os infinitos céus fitam seu rosto
Absoluto e cego
E a brisa agora beija a sua boca
Que nunca mais há-de beijar ninguém.

Tem as duas mãos côncavas ainda
Da possessão do impulso de promessa
Dos seus ombros desprende-se uma espera
Que dividida na tarde se dispersa.

E a luz, as horas, as colinas
São como pranto, em volta do seu rosto
Porque ele foi jogado e foi perdido
E no céu passam aves repentinas.

Sophia de Mello Breyner Andresen

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sábado, junho 24, 2006

24 de Junho - Citação do Dia

Meditação do Duque de Gandia
Sobre a Morte de Isabel de Portugal

Nunca mais
A tua face será pura limpa e viva
Nem o teu andar como onda fugitiva
Se poderá nos ramos do tempo tecer
E nunca mais darei ao tempo a minha vida

Nunca mais servirei Senhor que possa morrer.
A luz da tarde mostra-me os destroços
Do teu ser. Em breve a podridão
Beberá os teus olhos e os teus ossos
Tomando a tua mão na sua mão.

Nunca mais amarei quem não possa viver
Sempre.
Porque eu amei como se fossem eternos
A glória a luz e o brilho do teu ser,
Amei-te em verdade e transparência
E nem sequer me resta a tua ausência,
És um rosto de nojo e negação
E eu fecho os olhos para não te ver.

Nunca mais servirei senhor que possa morrer.


Sophia de Mello Breyner Andresen

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terça-feira, junho 06, 2006

6 de Junho - Citação do Dia

Soneto de Eurydice

Eurydice perdida que no cheiro
E nas vozes do mar procura Orpheu
Ausência que povoa terra e céu
E cobre de silêncio o mundo inteiro

Assim bebi manhãs de nevoeiro
E deixei de estar viva e de ser eu
Em procura de um rosto que era o meu
O meu rosto secreto e verdadeiro

Porém nem nas marés nem na miragem
Eu te encontrei. Erguia-se somente
O rosto liso e puro da paisagem

E devagar tornei-me transparente
Como morta nascida à tua imagem
E no mundo perdida esterilmente

Sophia de Melo Breyner Andresen

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segunda-feira, maio 29, 2006

29 de Maio - Citação do Dia

Navio Naufragado

Vinha dum mundo
Sonoro, nítido e denso.
E agora o mar o guarda no seu fundo
Silencioso e suspenso.

É um esqueleto branco o capitão,
Branco como as areias,
Tem duas conchas na mão,
Tem algas em vez de veias
E uma medusa em vez de coração.

E em seu redor as grutas de mil cores
Tomam formas incertas quase ausentes
E a cor das águas toma a cor das flores
E os animais são mudos, transparentes.

E os corpos espalhados nas areias
Tremem à passagem das sereias -
Das sereias leves de cabelos roxos
Que têm olhos vagos e ausentes
E verdes como os olhos das videntes.

Sophia de Mello Breyner Andresen

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terça-feira, abril 25, 2006

25 de Abril SEMPRE

Esta é a madrugada que eu esperava
0 dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo


Sophia de Mello Breyner Andresen

Com um obrigada à Andante

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segunda-feira, janeiro 16, 2006

16 de Janeiro - Citação do Dia

Pascoaes

Aqui a bruma a noite o sete estrelo
O sussurrar das brisas e da fonte
Aqui o tempo anterior puro horizonte
O ser como a luz a flor o monte

A terra se desvenda verso a verso
Seu rosto é de pinhais sombras e mágoas
Aqui o puro emergir: luas e águas
E o antigo tempo irmão do universo

Sophia de Melo Breyner Andersen

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sexta-feira, dezembro 16, 2005

16 de Dezembro - Citação do Dia

Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum Deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passes

Para ti eu criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas

Sophia de Mello Breyner Andresen

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sexta-feira, novembro 18, 2005

18 de Novembro - Citação do Dia

Corpo serenamente construído
Para uma vida que depois se perde
Em fúria e em desencanto erguidos
Contra a pureza inteira dos teus ombros.

Pudesse eu reter-te no espelho
Ausente e mudo a todo outro convívio
Reter o nó claro dos teus joelhos
Que vão rasgando o vidro dos espelhos.

Pudesse eu reter-te nessas tardes
Que desenhavam a linha dos teus flancos
Rodeados pelo ar agradecido.

Corpo brilhante de nudez intensa
Por sucessivas ondas construído
Em colunas assentes como um templo

Sophia de Mello Breyner Andresen

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