quarta-feira, julho 19, 2006

19 de Julho - Citação do Dia

Leio e estou liberto. Adquiro objectividade. Deixei de ser eu e disperso. E o que leio, em vez de ser um trajo meu que malvejo e por vezes me pesa, é a grande clareza do mundo externo, toda ela notável, o sol que vê todos, a lua que malha de sombras o chão quieto, os espaços largos que acabam em mar, a solidez negra das árvores que acenam verdes em cima, a paz sólida dos tanques das quintas, os caminhos tapados pelas vinhas, nos declives breves das encostas.

Leio como quem abdica. E, como a coroa e o manto régios nunca são tão grandes como quando o Rei que parte os deixa no chão, deponho sobre os mosaicos das antecâmaras todos os meus triunfais do tédio e do sonho, e subo a escadaria com a única nobreza de ver.

Leio como quem passa. E é nos clássicos, nos calmos, nos que, se sofrem, o não dizem, que me sinto sagrado transeunte, ungido peregrino, contemplador sem razão do mundo sem propósito, Príncipe do Grande Exílio, que deu, partindo-se, ao último mendigo, a esmola extrema da sua desolação.

Fernando Pessoa, Livro do Desassossego

Espertalhotes: joana, papalagui, neptumância

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7 Comments:

Blogger Joana said...

F.P? eu sei que tu sabes a quem me estou a referir...aquele gajo que andava pela Brasileira do Chiado a pedir 2 copinhos de vinho branco.
;-)

10:21 da manhã  
Blogger ana said...

2 copinhos de vinho branco? Isso não era a tia do Pai Tirano?

10:49 da manhã  
Blogger Joana said...

era,era...mas eu fiz um crossover

11:46 da manhã  
Blogger Joana said...

ate fiz um post alusivo a este tema la no Aurelia

12:55 da tarde  
Blogger Leonor said...

É rapaz para ser o Bernardo Soares :)

11:24 da manhã  
Blogger fernando said...

éfi pê mesmo!

:)

11:51 da manhã  
Blogger ana said...

ora, bem-vindo, sô neptumância!

12:48 da tarde  

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