sexta-feira, outubro 31, 2008

31 de Outubro - Parabéns, I!

O coração alegre serve de bom remédio, mas o espírito abatido virá a secar os ossos.

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quinta-feira, outubro 30, 2008

30 de Outubro - Citação do Dia

Laurence Tucker, Graveyard Mist
I would like my love to die
and the rain to be falling on the graveyard
and on me walking the streets
mourning the first and last to love me.

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quarta-feira, outubro 29, 2008

29 de Outubro - Citação do Dia

Há muito que, para abafar as opiniões que temiam, os filisteus abandonaram os instrumentos de tortura; descobriram uma arma de destruição muito mais perigosa - a zombaria.

Somerset Maugham, O Fio da Navalha

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terça-feira, outubro 28, 2008

28 de Outubro - Da Arca dos Faits-Divers



Rushdie: A Religião das Palavras
Rushdie, o autor de Os Versículos Satânicos, é 'um morto que caminha', declarou aos jornalistas o embaixador do Irão no Vaticano, Salman Ghaffari. Seria difícil encontrar sítio mais apropriado para uma declaração tão friamente assassina. E Ghaffari prossegue com a incontinência verbal dos alucinados: 'Rushdie é o instrumento de um complot contra os Islão. Nesta contenda, o Ocidente enganou-se ao entrar em confronto com mil milhões de muçulmanos. O Leste ateu mostrou maior respeito.' Já tardavam os agradecimentos públicos de um governo teocrático pela compreensão demonstrada por outro que diviniza a razão do Estado. Ao oportunismo do Executivo soviético corresponde a fragilidade dos seus opositores internos (criam-se os inimigos a que se tem direito). O semanário 'Notícias de Moscovo' publicou uma petição, assinada entre outros por Andrei Sakharov e pelo conselheiro de Gorbachov para as questões espaciais Roald Sagdaiev, em que se apela para a 'clemência' de Khomeiny: 'Um acto de clemência corresponderia aos preceitos de Jesus e de Maomé.'
Uma verdadeira 'Internacional' dos fracos parece ter-se formado com a eclosão deste caso. O antigo presidente dos Estados Unidos da América, Jimmy Carter - o mais tímido dos governantes norte-americanos, que foi outrora enxovalhado como ninguém pelo Irão - considerou Os Versículos Satânicos 'um insulto directo a milhões de muçulmanos, cujas crenças sagradas foram violadas.' Não percebendo que o ayatollah é de facto apoiado pelos muçulmanos pobres - que nele vêem um vingador das afrontas que um mundo implacável lhe inflige - Carter preocupa-se com o embaraço que eles sentiriam perante a 'irresponsabilidade' de Khomeiny. Os escravos estão à porta da cidade, elegeram como chefe um Spartacus louco, e o velho imperador não sabe.
As tergiversações de um Ocidente aburguesado, cheio de má consciência, mais não fazem do que encorajar os novos inquisidores. Que o diga Geoffrey Howe, ministo dos Negócios Estrangeiros britânico: qualificar o romance de Rushdie de 'ofensivo' não evitou que o Irão, lançado num desafio crescente, cortasse relações com a Inglaterra. Mais vale ser temido do que amado, lembrava Maquiavel... É claro que expulsar trinta iranianos da Grã-Bretanha não mete medo a ninguém; eficaz seria interromper as importações de petróleo do Irão.
Uma espécie de sida moral parece estar já a tomar conta de algumas consciências: o prémio Nobel da Literatura de 1988, Neguib Mahfuz, depois de ter assinado um comunicado - com mais oitenta intelectuais árabes - em que era afirmado que 'nenhuma blasfémia prejudicava tanto o Islão como o apelo ao assassínio de um escritor', deu o dito por não dito e pede agora a proibição do livro, embora considere 'sagrada' a liberdade de expressão. Um prestidigitador. Não é o único, porém. A Organização da Conferência Islâmica - a decorrer entre os dias 15 e 16, na Arábia Saudita - tentou por todos os meios não se opor frontalmente ao Irão acerca do caso Rushdie, evitando no entanto apoiar a fatwa do imã. O problema foi remetido para a vaguíssima rubrica 'Estratégia Unificada de Informação Islâmica'. Provavelmente a Organização aconselhará os quarenta e cinco países que a compõem a deixar de importar livros da Penguin, a editora de Rushdie, mas o voto não será vinculativo.
'Merdifica-se' - exclama Yves Pascal, na revista francesa L'Express, a propósito de tanta hipocrisia.
Quem parece navegar com ligeireza no mar morto da confusão é o Grande Rabino da Grã-Bretanha, Emmanuel Jakobovits. Lançando fora a criança com a água do banho, propõe que se proíba quer a publicação de Os Versículos Satânicos, quer a difusão do apelo de Khomeiny ao assassínio. Este 'santo' homem, que gostaria talvez de ser Salomão, não passa afinal de Herodes. 'Eles falam do reino de Deus, mas dão dele uma ideia mesquinha e desprezível', comentava o autor latino Celso em Contra os Cristãos.
Norman Mailer propõe que os escritores façam aquilo que Isabelle Adjani muito corajosamente já fez: 'Iniciar todas as reuniões literárias com uma leitura das páginas críticas de Os Versículos Satânicos.' E Mailer insiste: Khomeiny ofereceu-nos a oportunidade de recuperar a nossa frágil religião, que consiste em crer nas palavras e estarmos dispostos a morrer por elas.' Esperemos que Neguib Mahfuz leve a sério o desafio de Mailer, e passe a respeitar mais o poder das palavras. É que, caso contrário, poderá começar a ser levado tão a sério como o italiano Vicenzo Strocchi, amador da obra de Dante. Strocchi enviou cartas assinados por pretensos Guardas da Revolução ao presidente da Câmara de Ravena e a um jornal local, ameaçando fazer explodir o túmulo de Dante porque este desrespeitava Maomé na Divina Comédia, remetendo-o para um local reservado aos traidores: 'Era uma brincadeira entre um pequeno grupo de especialistas.' Mahfuz é especialista em quê?
Em contrapartida, o escritor alemão federal Günther Grass não hesitou, como sempre: demitiu-se da Academia de Belas-Artes de Berlim Ocidental, porque os seus membros se recusaram a associar-se a uma leitura pública das obras de Rushdie. A humanidade justifica-se com gestos destes.
No Brasil, Os Versículos Satânicos serão publicados pela Companhia das Letras, editora de José Saramago e José Cardoso Pires, sendo a tradução utilizada a da Dom Quixote. Em Lisboa, o livro vai ser objecto de uma co-edição Dom Quixote / Círculo de Leitores, à semelhança do que tem acontecido com outras obras.
'A verdadeira essência, sem cor, sem forma, impalpável, não pode ser contemplada senão pelo guia da alma, a inteligência', concluía Celso.
Torcato Sepúlveda, Expresso, 18 de Março de 1989

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sexta-feira, outubro 24, 2008

24 de Outubro - Citação do Dia


Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos).


Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para o pé do Fado,
Mais longe do que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.


Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar baijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados so pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.


Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.


Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.


E se antes do que eu tu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Em nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.


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quinta-feira, outubro 23, 2008

23 de Outubro - Citação do Dia


Sentar-me, parar e acender um cigarro, não me sentar, não fumar, pensar ou não pensar, respirar ou deixar de respirar, eram uma e a mesma coisa. Cai morto e o homem que vem atrás passa-te por cima; dispara um revólver e outro homem disparará contra ti; grita e acordarás os mortos, os quais, por estranho que pareça, também têm pulmões fortes. O trânsito segue agora para este e oesta; daqui a um minuto seguirá para norte e sul. Processa-se tudo cegamente de acordo com as normas e ninguém chega a lado nenhum. Guinam e cambaleiam a entrar e a sair, e a subir e a descer, uns desaparecem como moscas e outros investem como mosquitos. Come de pé com máquinas automáticas, alavancas, moedas engorduradas, celofane engordurado, apetite engordurado. Limpa a boca, arrota, palita os dentes, inclina o chapéu, caminha pesadamenta, escorrega, cambaleia, assobia, estoira os miolos.


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quarta-feira, outubro 22, 2008

22 de Outubro - Citação do Dia


Plano

Trabalho o poema sobre uma hipótese: o amor
que se despeja no copo da vida, até meio, como se
o pudéssemos beber de um trago. No fundo,
como um vinho turvo, deixa um gosto amargo na
boca. Pergunto onde está a transparência do
vidro, a pureza do líquido inicial, a energia
de quem procura esvaziar a garrafa; e a resposta
são estes cacos que nos cortam as mãos, a mesa
da alma suja de restos, palavras espalhadas
num cansaço de sentidos. Volto, então, à primeira
hipótese. O Amor. Mas sem o gastar de uma vez,
esperando que o tempo encha o copo até cima,
para que o possa erguer à luz do teu corpo
e veja, através dele, o teu rosto inteiro.

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terça-feira, outubro 21, 2008

21 de Outubro - Do Baú das Crónicas


A Aventura de Sofrer
Em Portugal sofre-se muito. Eu sofri muito. Tu já sofreste muito. Só Deus sabe o que ele já sofreu. De resto, sofre-se muito neste País. O próprio país sofre. Sofre só por sim com ponto final. E sofre coisas exteriores a si. Sofre de dúvidas. Sofre quedas. De escadotes. De cabelos. Sofre alterações. Sofre cataclismo. Sofre de sucessivas. Sofre de chofre.

Esta afirmação sofre de contra-argumentação. Dir-me-ão que também se sofre noutros países. Sofre-se mais. Sofre-se melhor. A fome, a miséria, o senador Dukakis. Só que sofrem duma maneira diferente. Para começar, não gostam. Não gostam? É verdade! Como é que pode ser?

Há muito sofrimento no mundo. Isso é certinho. E como é que nós podemos ajudar? Nós quem? Nós portugueses. Pois ensinando-os, pois levando mais longe a nossa palavra, pois estendendo até lá nossa mão, para que aprendam a gostar de sofrer. A amolar. A tirar as devidas lições. É a lição portuguesa ao Mundo: sofrer é um método de aprendizagem. Sofer é viver. Sofrer é saber. Como elas mordem. O processo é simples. Um: elas mordem. Dois: nós damos um salto no ar. Três: ficámos a saber que elas mordem. Quatro: já nos podemos considerar mordidos, mas sábios. A rapaziada do Sudão e da Etiópia podia tornar-se na rapaziada a Sul de Lisboa e Faro.

Bleaaargh! A coisa que mais detesto nos portugueses é o culto do sofrimento. As pessoas sofrem e dizem que sofrer 'faz calo'. É repulsivo. Calo, por amor de Deus - porque é que alguém há-de querer fazer uma coisa dessas? Passam pelas maiores amarguras e em vez de tentar esquecê-las dizem que 'criou carapaça', que isso ajuda a enfrentar melhor as agruras. Qual carapaça, qual carapuça de campino. Que vantagem tem uma pessoa ficar casca-grossa, insensível, género rinoceronte de olheiras e perna de pau, desconfiado de térmitas e pica-paus?

Sofrer é uma coisa horrorosa. É igual àquilo que se sente. Quando uma pessoa está na merda é que vê o que o sofrimento é: uma merda. O sofrimento dá cabo das pessoas. Vira-lhes os cantos dos olhos e da boca. Torna-os inacessíveis aos encantos do mundo, que já são poucos. O sofrimento vexa, humilha, amarrota, estupidifica. O sofrimento é uma coisa que não se deve enfrentar. Não é um touro. Não é a CEE. O sofrimento é uma coisa de que se deve absolutamente fugir. É melhor sair da sala, abandonar o lar, beber uma garrafa inteira de rum, tomar comprimidos e drogas, do que sofrer. é o sofrimento que mata as pessoas.

As pessoas ficam amarrotadas quando sofrem. Quando encaram o mal, ficam piores. Não há nada mais triste do que ouvir alguém dizer, quando se está a propor alguma felicidade - uma paixão, um negócio, uma confiança: 'Sabe é que eu já estou muito queimado, já levei muita pancada...' Os portugueses, ainda para mais, orgulham-se disso. Quanto mais queimado, quanto mais porrada tenha levado, mais veterano de guerra, mais Kaúlza de Arriaga, herói de 20 campanhas se sente.

Os portugueses estão drogados com o sofrimento. São junkies da melancolia. Injectam-se com as próprias misérias e, quando estas faltam, com as alheias. Acham que o sofrimento faz bem à alma. Quando há uma tragédia, um incêndio, um terramoto, eles gostam de sofrer. Acham que merecem. No fundo, sentem-se todos culpados e adoram a oportunidade de ser castigados. Para um português, o castigo redime. O sofrimento alivia. Concreta a ansiedade. Enche o vazio. Dá um foco à errância desfocada da alma. Eu sei lá.

Há um culto da desilusão que é perverso. Existe a ideia de que toda a felicidade é 'uma ilusão' e que só se descobre 'a verdade' quando se sofre o desaparecimento dela. 'Afinal', - diz o português lacrimejante - 'tudo aquilo era mentira...' Nós, portugueses - desculpem lá - temos todos coração de sopeira. Por alguma razão a nossa palavra preferida é quimera. Quando nos apaixonamos, a primeira ideia que nos vem à cabeça é que tudo aquilo é mentira. E esperamos estupidamente pelo esclarecimento. Tanto queremos ser esclarecidos, tanto prevemos a desilusão, tanto temos a certeza do desenlace, que acabamos por preparar a nossa desgraça.

Ó portugueses! Escutem a voz da minha mãe! Ela é inglesa como o mais inglês e ama Portugal mais do que qualquer português. Tem um lema urgente: 'Não é o fim do Mundo'. Há quatro anos ardeu a minha casa, ela chegou lá, aos escombros que restavam e disse: 'Bem! Não é o fim do Mundo.' E não era. Nunca é. Para ela, uma tragédia não é um castigo. Não é sequer uma naturalidade. É apenas um azar. Sofrer é aturar o mundo quando ele está mal disposto. Não é compreensão, inteligência, sabedoria. É doença.

Nunca é o fim do mundo. O sofrimento marca as pessoas. Torna-as sofridas. 'It's not the end of the world', como diz a minha mãe. Nunca é. E quando for, não há-de haver ninguém para dizê-lo. (Aposto que há-de sobreviver um português, só por pirraça, para dizer: 'Foi o fim do Mundo! Estamos bem tramados!')

Sou totalmente cobarde no que toca ao sofrimento. Não aguento. Dói demais. Quero que se lixe. Nem quero pensar nisso. Sou visto como um irresponsável, um inconsciente, um garoto, um menino mimado por causa disso. Dizem que me falta o elemento trágico. Ó minha alma adorada, não é que me falte - eu é que não gosto de falar disso.

O sofrimento é um nojo. Tudo o que dói faz mal. Quando alguém se chega ao pé de nós e diz 'Passei a noite inteira a chorar por tua causa', a sensação é repressora, totalitária, indecente. O sofrimento dos outros dói mais do que o nosso. Encosta-nos à parede e chama-nos nomes.

Sofrer é feio. Em público ainda é pior. O sofrimento é uma doença, uma constipação da alma, uma coisa para esquecer. Temos o dever de nos alegrarmos. A nós próprios e uns aos outros. Isso é que é um dever. A sinceridade é uma coisa gratuita. Alegrarmo-nos é uma missão heróica. Quanto mais fingidamente, melhor.

Sorrir é mandar os cantos dos lábios parar o curso das lágrimas descendentes. A boca é uma barragem. O coração é uma coisa simples. Sofrer é ficar ferido. As cicatrizes são todas feias. É melhor não ser nada - é melhor não ser feliz - do que sofrer. É isso o que se pensa quando se respeita verdadeiramente o sofrimento.




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sábado, outubro 18, 2008

18 de Outubro - Parabéns, A!



Mesmo que ao meio-dia a rosa perca a beleza que teve de madrugada, a sua beleza naquele momento foi real. Nada do mundo é permanente, e somos tolos em desejar que uma coisa perdure, mas mais tolos ainda seríamos se não a apreciássemos enquanto a temos. Se a mutabilidade é a essência da existência, nada mais natural do que fazer dela a premissa da nossa filosofia. Não podemos cortar duas vezes as águas de um rio, mas o rio corre continuamente, e as outras águas que cortamos são também frescas e agradáveis.

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sexta-feira, outubro 17, 2008

17 de Outubro - Citação do Dia

Canção Escrita nas Areias de Laga

No teu ombro respiro.
Belos são os navios,
altos, estreitos.
Feliz, o teu rosto no meu.
Que luz sobre o teu peito!

No teu ombro respiro.
Belas são as areias,
fulvas de verão.
Feliz, o meu rosto no teu.
Oh tão azul o mar na tua mão!

Eugénio de Andrade

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quinta-feira, outubro 16, 2008

16 de Outubro - Citação do Dia

When a system fails, people will seek out each other's weaknesses to account for their troubles, just as ancient kings slew the messenger who brought evil news.

Arthur Miller, Timebends

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quarta-feira, outubro 15, 2008

15 de Outubro - Citação do Dia

Parents

What it must be like to be an angel
or a squirrel, we can imagine sooner.


The last time we go to bed good,
they are there, lying about darkness.


They dandle us once too often,
these friends who become our enemies.


Suddenly one day, their juniors
are as old as we yearn to be.


They get wrinkles where it is better
smooth, odd coughs, and smells.


It is grotesque how they go on
loving us, we go on loving them


The effrontery, barely imaginable,
of having caused us. And of how.


Their lives: surely
we can do better than that.


This goes on for a long time. Everything
they do is wrong, and the worst thing,

they all do it, is to die,
taking with them the last explanation,


how we came out of the wet sea
or wherever they got us from,


taking the last link
of that chain with them.


Father, mother, we cry, wrinkling,
to our uncomprehending children and grandchildren.


William Meredith

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terça-feira, outubro 14, 2008

Terça, 14 - Da Arca dos Faits-Divers

As Artes da Ria Formosa

Vai mudando com as marés, num volteio caprichoso que até hoje nenhuma obra humana conseguiu domesticar. De quando em vez, o mar enfurece, galga as dunas, os muros e as estradas, destrói as maisons de férias da ilha grande e abre novos caminhos. É a Ria Formosa, entalada na costa algarvia entre o aeroporto, o turismo de luxo e as cidades de Faro e Olhão. Termina para lá de Tavira, mesmo em frente do forte de Cacela.


Desde há séculos, atraiu os homens, que encontraram artes de pesca adaptadas às circunstâncias, inalteráveis de pais para filhos. 'Hoje, estamos à beira da fome.' As leis e os decretos proíbem a maior parte das artes de pesca da ria, e homens como o 'camarada Licas' fazem instrumentos de trabalho para figurarem em exposições, 'porque já ninguém faz e qualquer dia ninguém conhece.'

Ao Vítor deu-lhe a raiva e desatou a escrever o que sempre viveu desde criança. 'Os pescadores iam em 'companhas' de dois ou três homens, marcavam os 'mares', pelas beiçadas que o peixe dava no sedimento, ou então ouviam o peixe 'de salto'. Aí, deitavam a rede na arte do tapa esteiro.' Vendido o pescado, o dinheiro é repartido por todos. Mas cada pescador trata da sua rede, remenda-a e só se junta à companha na hora da próxima maré.

Uma arte difícil a exigir saberes feitos de longa experiência sobre os ventos, as correntes, a lua e o fundo lodoso da ria onde buscam alimento as espécies que se deseja apanhar.

Usam-se taminas e calões, e mais uma manga, que são nomes de sabores estranhos como se de outra língua se tratasse. Para 'rebrucar', com o chalrão, a arrojadeira ou o xalavar, lá se consegue fazer surgir o camarão, as enguias, a amêijoa. O robalo é bicho de se apanhar ao candeio, em noites de mar calmo e sem lua. Com o pangaio e a fisga, o pescador precisa de paciência e boa vista. Usa o azeite, 'para clarear o fundo' e uma pinguinha para não gelar de frio.

As avenidas que sulcam as águas das baías algarvias e fazem as delícias turísticas por serem 'very typical', são os petromax dos saveiros em busca dos polvos, de linguados, santolas e principalmente chocos. Sai-se de lá derreado, com os olhos a arder e os braços doridos, que esta é arte para um homem só quando muito dois, a revezarem entre a fisga e os remos.

Quem não gosta nada dos caranguejos morraceiros são os pescadores do tresmalho. Os bichos enleiam-se nas malhas e tiram eficiência à arte, chegando a destruí-la. Seja como for, entra sempre o trabalho de remendo e de limpeza, depois de uma noite inteira nos esteiros. Continua por enquanto a ser a arte mais popular, 'se calhar porque não foi proibida'. Para quando as forças vão faltando, a toneira é arte de pouco esforço. Num tubo de metal forrado de fio brilhante, fixam-se vários anzóis. Dá-se uma volta na chata pelos canais e sempre vem algum choco capaz de garantir a janta.

Mas a rainha das artes na Ria Formosa é a mariscagem. Dela vivem e se sustentam milhares de marítimos. As novas regras comerciais fizeram disparar os preços e aumentar os apetites. A Espanha é um consumidor voraz e os viveiros transformaram-se em campos de engorda, na mira de um preço mais alto. Em vinte anos, a amêijoa cristã subiu de 170 para 900 escudos o quilo. 'Já houve anos melhores, como em 1987, em que pagavam a 1500 a amêijoa grada.'

Mas depois veio a praga. A amêijoa morre com 'o parasita' e o mercado encolheu-se. Os viveiristas sabem que é preciso esperar dois anos para o bicho atingir um tamanho razoável e só aqueles que têm grandes concessões podem arriscar e comprar, em quantidade, ao mariscador que as apanha nos lavajos, 'ainda miúda e a ter de encorpar nos viveiros'. Os mariscadores continuam a capturá-la nos ariscos - bancos de areia que 'destapam' com a maré - com a faca de mariscar. Quem já sabe do ofício, marisca a olho, no sítio certo, com vento de favor e o sol na altura exacta. Já lá vão os tempos de cada um apanhar até 15 quilos. Agora, há grande festa se atingem o quilo certo, sem arredondar. As mãos são o principal instrumento do mariscador. Mas nos esteiros de grande profundidade usa-se um sarilho para alar a ganchorra e faz-se arrasto com a lancha. Menos sofisticado é o arrasto de mão, com a ganchorra a lavrar a terra e o xalavar a apanhar o que de lá sai.

Mas a ria é mãe generosa e um tanto eclética. Tanto cria berbigão como búzio, mesmo sabendo que o preço não é o mesmo para um esforço igual. Só as ostras não escaparam. Desapareceram porque são sensíveis a todo o tipo de poluição, urbana ou industrial. À laia de compensação, apareceu um 'camarão japonês', que resiste a tudo e cresce que é uma maravilha. O que ainda não se sabe é o que acontecerá às espécies de camarão nativas, em compita com esta. As 'portuguesas' nascem na 'terra da Mãe' (tal como as douradas, os linguados, os sargos e os salmonetes), que fica bem para o interior da ria, crescem nos lavajos - pequenas poças de água cálida - e depois espalham-se sobre os esteiros e regatos até alcançarem o mar.

Ao longo de muitos anos de múltiplos séculos, tudo se passou como sempre. O que a companha não compreende 'são os secretários de estado que não conhecem os peixes' e as leis superiormente emanadas. 'Não somos nós que fazemos mal à ria.' O 'camarada Licas' tem a cara cor de tijolo, queimada de sol e de mar. Acentua em largos gestos que 'estas artes sempre existiram. O que não havia eram os esgotos, as fábricas, o aeroporto, os pesticidas dos campos de golfe. E contra esses não conheço que haja leis.' O Vítor também diz que sim, no livro que escreveu para contar As Artes e Vida da Ria Formosa. Antes que desapareça.

Conceição Branco, Expresso, 27 de Abril de 1991

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segunda-feira, outubro 13, 2008

13 de Outubro - Citação do Dia

Pensar em Deus é desobedecer a Deus,
Porque Deus quis que o não conhecêssemos,
Por isso se nos não mostrou...

Sejamos simples e calmos,
Como os regatos e as árvores,
E Deus amar-nos-á fazendo de nós
Belos como as árvores e os regatos,
E dar-nos-á verdor na sua primavera,
E um rio aonde ir ter quando acabemos!...

Alberto Caeiro

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sexta-feira, outubro 10, 2008

10 de Outubro - Citação do Dia

Common Sense

'There's been an accident!', they said,
'Your servant's cut in half; he's dead!'
'Indeed!' said Mr Jones, 'and please
Send me the half that's got my keys.'


Harry Graham

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quinta-feira, outubro 09, 2008

9 de Outubro - Citação do Dia

The human condition, but what of the angelic? Halfway between Allahgod and homosap, did they ever doubt? They did: challenging God's will one day they hid muttering beneath the throne, daring to ask forbidden things: antiquestions. Is it right that. Could it not be argued. Freedom, the old antiquest. He calmed them down, naturally, employing management skills à la god. Flattered them: you will be instruments of my will on earth, of the salvationdamnation of man, all the usual etcetera. And hey presto, end of protest, on with the haloes, back to work. Angels are easily pacified; turn them into instruments and they'll play your harpy tune. Human beings are tougher nuts, can doubt anything, even the evidence of their own eyes. Of behind-their-own-eyes. Of what, as they sink heavy-lidded, transpires behind closed peepers... angels, they don't have much in the way of a will. To will is to disagree; not to submit; to dissent.

Salman Rushdie, The Satanic Verses

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quarta-feira, outubro 08, 2008

8 de Outubro - Citação do Dia

Litania com o Teu Rosto

Ó noite, ó dia, ó música de guitarras
na rua ou no teu corpo,
primavera,
vara de nardos, estrela
de cinco pontas, morte pura,
ó barco onde as bandeiras
são todas de alegria,
água súbita, bosque próximo,
pão com sabor a sol,
ó leito onde corri
azul, azul, azul
à tua sombra,
amor,
ó lágrima,
espelho de terra,
mãe ardente,
melancolia,
secreta lua aberta,
alma, canção, ó noite, ó dia!

Eugénio de Andrade

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terça-feira, outubro 07, 2008

Terça-feira, 7 de Outubro: Do Baú das Crónicas

Que Fazes por Aqui, ó Gato?

Começo eu a dar ao teclado e eis Mafalda a saltar para cima do monitor e a repimpar-se lá. Está agora sentada, circunspecta, com as orelhas enfiadas no quebra-luz do candeeiro e a cauda a tornear as patas da frente. Pisca os olhos, de vez em quando, como se estivesse a saborear as delícias de praias soalheiras, que ela, lá no seu íntimo, configura. Sou-lhe completamente indiferente, embora me arrogue dono e senhor dos aparelhómetros e possa cortar-lhe, a meu talante, os regalos caloríficos. Mafalda levanta agora uma pata, lambe-a, e não me liga absolutamente nenhuma, se bem que pareça olhar, vagamente, na minha direcção. Assim são os gatos. Estão-se nas tintas para a gente. Ainda não averiguei se os gatos dos outros têm a mesma mania de se instalar em cima de monitores e aparelhos de televisão. Esta é assim desde pequena. E bem posso falar-lhe, soprar-lhe, fazer-lhe gaifonas, que apenas condescende em fitar-me superiormente, com um profundíssimo desprezo.

Chama-se Mafalda e é uma siamesa de cinco anos que cresceu pouco. Talvez seja anã, se é que o nanismo dá nos felinos. O nome ocorreu quando ela veio cá para casa e havia leitura abundante das bandas desenhadas do Quino. Mafalda era faceira, metia-se em cestos, perseguia tudo o que mexesse, atirava arranhadelas certeiras quando contrariada, de maneira que a contestatária do Quino veio a calhar para nome que se houvesse de dar ao bicho.

Só por isso, porque eu sempre detestei o hábito de pôr nomes de gente a animais. Lembro-me de que uma vizinha tinha um spaniel chamado 'Sebastião', e que era desagradável ouvi-la admoestar 'ó Sebastião, ó Sebastião' quando o bicho se portava mal. Em tempos, um amigo meu teve uma gata, excessivamente vadia e sarrafeira, a que chamava 'Noronha' e que andava sempre caminho do veterinário, depois de furibundas e sanguinolentas guerreias que atroavam os telhados do bairro. No meu íntimo, acho que um gato se deve chamar honradamente 'Tareco', ou coisa assim, e que 'Piloto' não é mau nome para cão. Mas não sou eu quem decide estas coisas e há sempre pressões que me alteram os propósitos. Sabem como é. Também nunca consegui ter o automóvel encarnado dos meus sonhos consumistas. Já os tive verdes, azuis, amarelos, beringela, mas encarnados é que nunca havia nos stands quando os quis. São contingências da vida. Já estou conformado a que o próximo carro me saia cinzento ou preto. O gato seguinte não sei como se chamará, mas desconfio que hão-de confluir perversidades que me impeçam de lhe chamar 'Tareco.'

Noutro lado, provavelmente enrolada debaixo duma mesa, suspeito que com uns restos esquirolados em cima do tapete, sisuda medita Milu. É uma cadela pêlo-de-arame que tem a particularidade de só se exprimir a rosnar: a Milu quer ir à rua? Rosna. Quer ir para a varanda? Rosna. Discorda de qualquer indicação dos donos, ainda que branda e justíssima? Rosna. E mais rosna quando alguém se aproxima dois metros do prato dela, ou quando um inocente chama o elevador lá nos baixos do prédio. Consegue mesmo rosnar quando está a dormir - mecanismo que nunca esclareci - dissuadindo quem lhe queira perturbar o sossego. Acho que ela já percebeu que se faz entender bem assim e que os humanos se conformam a uma linguagem de rosnidos. Perspicaz, hem?

Eu é que ainda não me conformei com o facto humilhante e tenebroso de Milu ser a única cadela do mundo que morde nos donos. Nunca foi maltratada nem especialmente mimada. Não têm aqui cabido as teorias psicológicas dos traumas infantis. a Milu sempre foi posta no seu lugar com aquela sensata mistura de firmeza e condescendência que leva os demais canídeos a sentirem-se infinitamente reconhecidos para com os seus donos. Aliás, a outros respeitos, parece-me gozar de uma razoável saúde mental. Mas deu-lhe para ser assim. Ferra com convicção. Não com força bastante para britar ossos, mas com o poder de persuasão suficiente para que tenhamos de pensar duas vezes na forma de a agarrar para lhe dar um banho.

Este nome de Milu, ao contrário do que almas escandalizadas possam julgar, não foi maneira de fazer pirraça, ou homenagear, alguma criatura chamada Maria de Lurdes. Aconteceu que a cadela, quando veio cá para casa, era muito parecida com aquele cão filósofo do Tintin, que tem o mesmo nome, ainda que, por qualquer esquisitice própria das francofonias, Milou, lá, funcione no masculino. Mais uma vez me veio uma banda desenhada crismar os bichos domésticos. Mafalda e Milu, competentemente, dão-se como o cão e o gato, ou seja, bastante má, com vénia à consabida sabedoria popular. Milu domina e prepondera nos chãos até à altura de quarenta e cinco centímetros; daí para cima, quem faz a lei é a Mafalda, senhora absoluta de prateleiras, tampos de mesas, altos de sofás, topos de electrodomésticos, e de todos os píncaros e abismos caseiros, como poder de vida e de morte sobre os objectos a que habitualmente se chama bibelôs. Os acasos da vida fazem que haja zonas de fronteira que exigem mediação enérgica dos gatos e cães mais poderosos lá de casa, que somos nós: trata-se da tépida área abrangida pelos caloríferos, e da zona, ainda mais problemática, onde se encontram as comidas e os equipamentos necessários ao conforto animal. De vez em quando, devido a movimentos mal calculados, estala uma zaragata que parece do fim do mundo, mas que acaba sempre da mesma maneira: Milu desfaz-se em rosnidos, que na altura atingem quase os decibéis do roncar leonino, Mafalda liga uma espécie de sirene de bombeiro, entremeada de jactos de mangueira de alta pressão, enovelam-se os dois giratoriamente, e tudo acaba em bem. Mafalda dispara a fugir e Milu corre inutilmente, porque nunca a consegue alcançar. Aliás, mesmo se conseguisse, seria, creio eu, suficientemente sábia para se atrasar, calculando milimetricamente aquela distância táctica que lhe poupa os pêlos do focinho a uns contactos agudos. Está assim estabelecido, são leis lá deles e nós já nem precisamos de intervir. A previsibilidade é total. E como os animais não têm - poupados que foram pela natureza - prosápias de originalidade, a cena repte-se, dia após dia, sempre nos mesmo e exactos moldes, sem que daí venha grande mal ao mundo.

Curiosamente, tanto Mafalda como Milu, embora entendoras de algumas expressões como 'toma!', 'banho!', 'cs,cs!', 'bsh, bsh!', 'rua!', 'dá!', 'sape!' e de outros sinais de forte conteúdo semiológico (a abertura da porta do frigorífico, o rangido do abre-latas nas ditas, o sacudir dumas caixas de duras matérias alimentícias, o rancoroso olhar do dono quando nota que um sofá proibido está ainda quente...), recusam-se a compreender os apelos à concórdia mesmo quando minuciosamente explicados.

'Minhas caras, não há razões para zaragatas, há espaço para as duas junto do radiador, e, aliás, quem manda aqui somos nós' são declarações que as deixam estranhamente indiferentes, se não é que arreganham mais a dentuça da Milu e arqueiam exponencialmente o lombo eriçado da Mafalda. Já desistimos de fazer discursos aos animais. Limitamo-nos, com gestos mínimos e fleumáticos, a prevenir os estragos.

Mafalda mantém um comportamento conservador, atendendo àquilo que se espera dos gatos. Milu é a mais inovadora e tenta imitar a outra, contra a natureza. Se o salto da Mafalda para um colo é um 'zap' aveludado, tão subtil que quase não se nota, já o salto plagiado da Milu é um 'Catrapuz!' desajeitado que amolga as calças e comprime os estômagos. Em contrapartida, Milu parece distinguir bem a mão, que lhe faz festas, do colo que a sustém, coisa que eu não garanto que aconteça com Mafalda. Não raro, sinto um inconfessáfel despeito quando vejo Mafalda instalada nos joelhos dos meus amigos. A Milu nunca faz isso. Rosna-lhes e morde-lhes.

Em dado momento, de surpresa, apareceu-me em casa o Gastão. O Gastão é preto, com malhas brancas e tem uns ares afadistados, muito fiados na musculatura, se bem que não seja mau tipo. A minha filha mais velha trouxe-o dum centro comercial em que uma loja benemérita oferecia gatinhos. Deve ter achado que aquilo era um bom negócio. O bicho, muito orelhudo e trangalhadanças, passou a chamar-se Gastão, não por causa do amigo do Sandokan, nem do que era perfeito na cantiga do Zé Afonso, mas porque estavam a ter grande êxito cá em casa os álbuns do Gaston Lagaffe, proprietário dum gato igual. Quando cresceu e começou a ter uns ademanes suspeitos para com a Mafalda, aliás hostil, foi despachdo para outra casa familiar. Continua a ser um grande amigo da Milu (em contravenção do anexim), mas, cá por coisas, deixou de ter notícias da família.

Creio ter exposto com clareza as razões por que os meus bichos, a contrapelo, têm nome de gente. Antes que alguém pergunte. Ficam para amanhã as menções aos hamsters, tartarugas japonesas, pássaros, peixes, grilos e ouriços cacheiros que me passaram cá por casa.

Mário de Carvalho

Público, 5 de Março de 1993

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domingo, outubro 05, 2008

5 de Outubro - Citação do Dia

Poema do Livre Arbítrio

Há uma fatalidade intrínseca, insofismável,
inerente a todas as coisas e nelas incrustada.
Uma fatalidade que não se pode ludibriar,
nem peitar, nem desvirtuar,
nem entreter, nem comover,
nem iludir, nem impedir,
uma fatalidade fatalmente fatal,
uma fatalidade que só poderia deixar de o ser
para ser fatalidade de outra maneira qualquer,
igualmente fatal.

Eu sei que posso escolher entre o bem e o mal.
Eu sei que posso fatalmente escolher entre o bem e o mal.

E já sei que escolho o bem entre o mal e o bem.
Já sei que escolho fatalmente o bem.
Porque escolher o bem é escolher fatalmente o bem,
como escolher o mal é escolher fatalmente o mal.
O meu livre arbítrio
conduz-me fatalmente a uma escolha fatal.

António Gedeão

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sábado, outubro 04, 2008

4 de Outubro - Parabéns, compadre F!

sexta-feira, outubro 03, 2008

3 de Outubro - Citação do Dia

Mestre, meu mestre querido!
Coração do meu corpo intelectual e inteiro!
Vida da origem da minha inspiração!
Mestre, que é feito de ti nesta forma de vida?

Não cuidaste se morrerias, se viverias, nem de ti nem de nada.
Alma abstracta e visual até aos ossos,
Atenção maravilhosa ao mundo exterior sempre múltiplo,
Refúgio das saudades de todos os deuses antigos,
Espírito humano da terra materna,
Flor acima do dilúvio da inteligência subjectiva...

Mestre, meu mestre!
Na angústia sensacionista de todos os dias sentidos,
Na mágoa quotidiana das matemáticas de ser,
Eu, escravo de tudo como um pó de todos os ventos,
Ergo as mãos para ti, que estás longe, tão longe de mim!

Meu mestre e meu guia!
A quem nenhuma coisa feriu, nem doeu, nem perturbou,
Seguro como um sol fazendo o seu dia involuntariamente,
Natural como um dia mostrando tudo,
Meu mestre, meu coração não aprendeu a tua serenidade.
Meu coração não aprendeu nada.
Meu coração não é nada.
Meu coração está perdido.

Mestre, só seria como tu se tivesse sido tu.
Que triste a grande hora alegre em que primeiro te ouvi!
Depois tudo é cansaço neste mundo subjectivado,
Tudo é esforço neste mundo onde se querem coisas,
Tudo é mentira neste mundo onde se pensam coisas,
Tudo é outra coisa neste mundo onde tudo se sente.
Depois, tenho sido como um mendigo deixado ao relento
Pela indiferença de toda a vila.
Depois, tenho sido como as ervas arrancadas,
Deixadas aos molhos em alinhamentos sem sentido.
Depois, tenho sido eu, sim eu, por minha desgraça,
E eu, por minha desgraça, não sou eu nem outro nem ninguém
Depois, mas porque é que ensinaste a clareza da vista,
Se não podias ensinar a ter a alma com que a ver clara?
Porque é que me chamaste para o alto dos montes
Se eu, criança das cidades do vale, não sabia respirar?
Porque é que me deste a tua alma se eu não sabia que fazer dela
Como quem está carregado de ouro num deserto,
Ou canta com voz divina entre ruínas?
Porque é que me acordaste para a sensação e a nova alma,
Se eu não saberei sentir, se a minha alma é de sempre a minha?

Prouvera ao Deus ignoto que eu ficasse sempre aquele
Poeta decadente, estupidamente pretensioso.
Que podia ao menos vir a agradar,
E não surgisse em mim a pavorosa ciência de ver.
Para que me tornaste eu? Deixasses-me ser humano!

Feliz o homem marçano,
Que tem a sua tarefa quotidiana normal, tão leve ainda que tão pesada.
Que tem a sua vida usual.
Para quem o prazer é prazer e o recreio é recreio.
Que dorme sono,
Que come comida,
Que bebe bebida, e por isso tem alegria.

A calma que tinhas, deste-ma, e foi-me inquietação.
Libertaste-me, mas o destino humano é ser escravo.
Acordaste-me, mas o sentido de ser humano é dormir.

Álvaro de Campos

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quinta-feira, outubro 02, 2008

2 de Outubro - Citação do Dia

Nunca se dá pelos momentos imorredouros quando estes estão a acontecer.

Elia Kazan, O Compromisso

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quarta-feira, outubro 01, 2008

1 de Outubro - Citação do Dia

You said: "I'll go to another country, go to another shore,
find another city better than this one.
Whatever I try to do is fated to turn out wrong
and my heart lies buried like something dead.
How long can I let my mind moulder in this place?
Wherever I turn, wherever I look,
I see the black ruins of my life, here,
where I've spent so many years, wasted them, destroyed them totally."


You won't find a new country, won't find another shore.
This city will always pursue you.
You'll walk the same streets, grow old
in the same neighborhoods, turn gray in these same houses.
You'll always end up in this city. Don't hope for things elsewhere:
there's no ship for you, there's no road.
Now that you've wasted your life here, in this small corner,
you've destroyed it everywhere in the world.


C. P. Cavafy

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