segunda-feira, janeiro 30, 2006

30 de Janeiro - Citação do Dia

Meu coração é uma ânfora que cai e que se parte...
O teu silêncio recolhe-o e guarda-o, partido, a um canto...
Minha ideia de ti é um cadáver que o mar traz à praia..., e no entanto
Tu és a tela irreal em que erro em cor a minha arte...

Abre todas as portas e que o vento varra a ideia
Que temos de que um fumo perfuma de ócio os salões...
Minha alma é uma caverne enchida pela maré cheia,
E a minha ideia de te sonhar uma caravana de histriões...

Fernando Pessoa

Espertalhotes: joana, eduardo, papalagui

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domingo, janeiro 29, 2006

29 de Janeiro - Citação do Dia

Se os artistas são pretensiosos, isso é da mesma maneira humilde dos loucos: não porque desejem ser diferentes nem esperem que os acreditem como tal, mas porque foram para sempre marcados com a realidade insofismável da diferença - o que os fere e isola o bastante para quererem arriscar-se à vocação de artistas.

Tennessee Williams

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sábado, janeiro 28, 2006

28 de Janeiro - Citação do Dia

Sábado

Perto do fim da noite cresce o fogo
em gestos de oiro e prata, e ainda ecoa
a mais feliz de todas as canções.

Sob trevas se movem sempre
os corpos desejados, os que vestem
de negro a morte e os seus anjos.

Tão belo e miserável esse reino,
o choro de alguns risos entre o álcool
e os lábios prometidos que não vêm
até junto dos meus. Será talvez
um destino que falha sem sabermos,
mas é melhor assim - estou desarmado,
sem forças já para prender um rosto,
o seu breve esplendor, cruel disfarce
para alimento de fáceis paixões.

De que serve o amor? Para quê
abandonar a vida em falsas mãos?
Perto do fim da noite cresce o fogo
E são às vezes meus os seus sinais.

Fernando Pinto do Amaral

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sexta-feira, janeiro 27, 2006

27 de Janeiro - Citação do Dia

A literatura, a quem muito sofregamente lê, dá nisto: comparações para tudo, referências imprevistas, casos, tipos, situações paralelas que já houve ou foram inventadas, uma outra vida ou realidade como a nossa de todos os dias e que se infiltra no sangue, ferve na memória sem que a gente dê por isso.

Luiz Pacheco, Comunidade

Parabéns, Wolfgang! Ninguém te daria mais de 240 anos!

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quinta-feira, janeiro 26, 2006

26 de Janeiro - Citação do Dia

A mocidade esplêndida, vibrante,
Ardente, extraordinária, audaciosa,
Que vê num cardo a folha duma rosa,
Na gota de água o brilho de um diamante;

Essa que fez de mim Judeu Errante
Do espírito, a torrente caudalosa
Dos vendavais irmã tempestuosa,
- Trago-a em mim vermelha, triunfante!

No meu sangue rubis correm dispersos:
- Chamas subindo ao alto dos meus versos,
Papoilas nos meus lábios a florir!

Ama-me doida, estonteadoramente,
Ó meu Amor! que o coração da gente
É tão pequeno... e a vida, água a fugir...

Florbela Espanca

(Dedicado à patxocas e ao meu henrique, mais do que aquários, autênticos oceanários!)

Espertalhotas: joana, bruxinha

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quarta-feira, janeiro 25, 2006

25 de Janeiro - Citação do Dia

Habituara-me a aceitar o facto de que, tal como o resto da humanidade, tinha de mentir, dizer umas mentirazinhas inofensivas, mentiras-para-poupar-as-susceptibilidades-das-outras-pessoas, mentiras-para-evitar-conflitos-desnecessários, mentiras-conscientes-acerca-de-coisas-que-desejaríamos-que-fossem-verdade, mentiras que não eram mais do que fantasias e produto da minha vida artística interior - bem, fosse porque fosse, tive sempre imensa dificuldade em dizer a verdade simples.

Elia Kazan, O Compromisso

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terça-feira, janeiro 24, 2006

24 de Janeiro - Citação do Dia

Uma pequenina luz bruxuleante
não na distância brilhando no extremo da estrada
aqui no meio de nós e a multidão em volta
une toute petite lumière
just a little light
una picolla... em todas as línguas do mundo
uma pequena luz bruxuleante
brilhando incerta mas brilhando
aqui no meio de nós
entre o bafo quente da multidão
a ventania dos cerros e a brisa dos mares
e o sopro azedo dos que a não vêem
só a adivinham e raivosamente assopram.
Uma pequena luz
que vacila exacta
que bruxuleia firme
que não ilumina apenas brilha.
Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.
Muda como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Brilhando indeflectível.
Silenciosa não crepita
não consome não custa dinheiro.
Não é ela que custa dinheiro.
Não aquece também os que de frio se juntam.

Não ilumina também os rostos que se curvam.
Apenas brilha bruxuleia ondeia
indefectível próxima dourada.
Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha.
Tudo é terror vaidade orgulho teimosia:
brilha.
Tudo é pensamento realidade sensação saber:
brilha.
Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva:
brilha.
Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não:
brilha.
Uma pequenina luz bruxuleante e muda
como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Apenas como elas.
Mas brilha.
Não na distância. Aqui
no meio de nós.
Brilha

Jorge de Sena

Com um obrigada ao eduardo

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segunda-feira, janeiro 23, 2006

23 de Janeiro - Citação do Dia

Art is a manifestation of emotion, and emotion speaks a language that all may understand.

Somerset Maugham, The Moon and Sixpence

Espertalhota: joana

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domingo, janeiro 22, 2006

22 de Janeiro - Citação do Dia

Há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer, nem há desembarque onde se esqueça.

Fernando Pessoa, Livro do Desassossego

Espertalhotes: eduardo, papalagui

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sábado, janeiro 21, 2006

21 de Janeiro - Citação do Dia

É muito mais fácil limar as grades de uma prisão do que abrir desconhecidas portas para a vida, como as gerações jovens acabam por descobrir, com um certo desgosto.

D. H. Lawrence, A Virgem e o Cigano

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sexta-feira, janeiro 20, 2006

20 de Janeiro - Citação do Dia

Adeus

Como se houvesse uma tempestade
escurecendo os teus cabelos
ou, se preferes, a minha boca nos teus olhos
carregada de flor e dos teus dedos;

como se houvesse uma criança cega
aos tropeções dentro de ti,
eu falei em neve, e tu calavas
a voz onde contigo me perdi.

Como se a noite viesse e te levasse,
eu era só fome o que sentia;
digo-te adeus, como se não voltasse
ao país onde o teu corpo principia.

Como se houvesse nuvens sobre nuvens,
e sobre as nuvens mar perfeito
ou, se preferes, a tua boca clara
singrando largamente no meu peito.

Eugénio de Andrade

Espertalhotas: bruxinha, elsita, joana, caracóis

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quinta-feira, janeiro 19, 2006

19 de Janeiro - Citação do Dia

O homem precisa apenas de um vocabulário muito restrito para se tirar de dificuldades confortavelmente e até mesmo com eficiência através de toda a sua vida, e meia-dúzia de lugares comuns lhe bastam para exprimir como indivíduo e até dentro da sua classe, da sua raça e da sua espécie suas poucas e simples paixões e necessidades e cobiças.

William Faulkner, O Mundo Não Perdoa

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quarta-feira, janeiro 18, 2006

18 de Janeiro - Citação do Dia

Diluído numa taça de oiro a arder
Toledo é um rubi. E hoje é só nosso!
O sol a rir... Vivalma... Não esboço
Um gesto que não me sinta esvaecer...

As tuas mãos tacteiam-me a tremer...
Meu corpo de âmbar, harmonioso e moço
É como um jasmineiro em alvoroço
Ébrio de sol, de aroma, de prazer!

Cerro um pouco o olhar onde subsiste
Um romântico apelo vago e mudo,
- Um grande amor é sempre grave e triste.

Flameja ao longe o esmalte azul do Tejo...
Uma torre ergue ao céu um grito agudo...
Tua boca desfolha-me num beijo...

Florbela Espanca

Espertalhotes: elsita, neptumância, joana, bruxinha

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terça-feira, janeiro 17, 2006

17 de Janeiro - Citação do Dia

He had possessed for her that almost hypnotic influence which young men sometimes exert upon little girls. It was a sort of phantom love affair, subjective and fanciful, a precocity of instinct, like that tender and maternal concern which some little girls feel for their dolls. Yet this childish infatuation is capable of all the depressions and exaltations of love itself; it has its bitter jealousies, cruel disappointments, its exacting caprices.

Willa Cather, Flavia and her Artists, in The Troll Garden

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segunda-feira, janeiro 16, 2006

16 de Janeiro - Citação do Dia

Pascoaes

Aqui a bruma a noite o sete estrelo
O sussurrar das brisas e da fonte
Aqui o tempo anterior puro horizonte
O ser como a luz a flor o monte

A terra se desvenda verso a verso
Seu rosto é de pinhais sombras e mágoas
Aqui o puro emergir: luas e águas
E o antigo tempo irmão do universo

Sophia de Melo Breyner Andersen

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domingo, janeiro 15, 2006

15 de Janeiro - Citação do Dia

O facto mais incrível acerca dos milagres é que acontecem.

J. K. Chesterton, a Inocência do Padre Brown.

Espertalhota: joana

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sábado, janeiro 14, 2006

14 de Janeiro - Citação do Dia

Dolora

Dantes quão ledo afectava
Uma atroz melancolia!
Poeta triste ser queria
E por não chorar chorava.

Depois, tive que encontrar
A vida rígida e má.
Triste então chorava já
Porque tinha de chorar.

Num desolado alvoroço
Mais que triste não me ignoro.
Hoje em dia apenas choro
Porque já chorar não posso.

Fernando Pessoa

Espertalhota: joana

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sexta-feira, janeiro 13, 2006

13 de Janeiro - Citação do Dia

A expectativa de um prazer violentamente desejado tem sido para mim um facto gerador de angústia, mais do que de alegria.
Yukio Mishima, Confissões de Uma Máscara

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quinta-feira, janeiro 12, 2006

12 de Janeiro - Citação do Dia

Memória

O tempo, o passado, o que está para trás
e vem, involuntário de cada vez que o não queremos:
é isto tudo que urge esquecer, apagar da vida presente
como a uma sombra no dia luminoso de inverno. Faz-se,
então, uma outra luz. Aceitamo-la, sem remorsos,
como se a merecêssemos por tudo o que a memória
rejeitou: apesar desse rosto de uma rapariga
que, num acaso, encontrámos; ou de palavras
que não deveríamos ter ousado; ou, ainda, desse gesto
que nos empurra para uma obscura margem
de sentimentos encalhados. De vez em quando, alguém
que há muito não via traz-me de volta estas imagens
sonâmbulas. Tenho o trabalho de as receber,
indesejadas, e de as empurrar até à porta de mim
para recuperar o dia presente, limpo destes
restos do que não cheguei a ser. A poesia
define-se nestes instantes de recusa, ocupa sem esforço
o lugar vago das inquietações antigas,
preenche o vazio com o ritmo necessário a que se retome
a respiração.

Nuno Júdice

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quarta-feira, janeiro 11, 2006

11 de Janeiro - Citação do Dia

Quem quer deixar o lugar onde vive é porque não é feliz.

Milan Kundera, A Insustentável Leveza do Ser

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terça-feira, janeiro 10, 2006

10 de Janeiro - Citação do Dia

Na vida nada tenho e nada sou;
Eu ando a mendigar pelas estradas...
No silêncio das noites estreladas
Caminho, sem saber para onde vou!

Tinha o manto do sol... quem mo roubou?!
Quem pisou minhas rosas desfolhadas?
Quem foi que sobre as ondas revoltadas
A minha taça de oiro espedaçou?!

Agora vou andando e mendigando,
Sem que um olhar dos mundos infinitos
Veja passar o verme, rastejando...

Ah, quem me dera ser como os chacais
Uivando os brados, rouquejando os gritos
Na solidão dos ermos matagais!...

Florbela Espanca

Espertalhotas: joana, bruxinha, elsita

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segunda-feira, janeiro 09, 2006

9 de Janeiro - Citação do Dia

Nem o grande negociante, nem o juiz, nem o advogado conservam o seu bom senso. Eles já não sentem e aplicam as regras que falseiam as condições. Levados pela sua existência torrencial, não são esposos, nem pais, nem amantes; deslizam como trenós sobre as coisas da vida e vivem todos os momentos empurrados pelos negócios das grandes cidades. Quando entram em casa são solicitados para ir aos bailes e à Ópera, para festas onde vão arranjar clientes, conhecimentos e protectores; todos comem desmedidamente, jogam, perdem noites e os seus rostos empapam-se, avermelham-se e aviltam-se. A estes terríveis gastos de forças intelectuais, a estas contracções morais tão frequentes, opõem-se não o prazer - é pálido demais e não produz nenhum contraste - mas o deboche, deboche secreto e assustador, porque eles podem dispor de tudo e fazem a moral na sociedade. A sua estupidez real esconde-se sob uma ciência especial. Sabem do seu ofício mas ignoram tudo o que o não seja. Então, para salvar o seu amor-próprio, eles discutem tudo e criticam a torto e a direito. Parecem pessoas que têm dúvidas, mas são na realidade mata-moscas que afogam o seu espírito em intermináveis discussões. Quase todos adoptam comodamente os preconceitos sociais, literários ou políticos, para se dispensarem de terem uma opinião, ao mesmo tempo que põem as suas consciências ao abrigo do código e do tribunal de comércio. Tendo começado cedo a tentar ser homens notáveis, tornam-se medíocres e rastejam sobre as sumidades do mundo.

Honoré de Balzac, A Rapariga dos Olhos de Ouro

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domingo, janeiro 08, 2006

8 de Janeiro - Citação do Dia

O Centro do Universo (excerto)

É como um murmúrio, um agitar de tenros canaviais, essa
aragem de flautas,
desfraldando os véus à volta dos lábios.
É uma câmara de ecos que revolve a terra,
vibrando imaculada como os tambores depressa sobre as
teias do poente.

Em ardilosa toca te ocultas e não há quem te encontre.
É isso:
trazes um mistério de teares, enrolas-te nos mantos
divinos.

Viste os charcos, a ruína.
Impérios de breu tombavam à altura do teu andar.
Cerca de ti, o silêncio mortuário, folhagens e odores no
limiar dos pântanos.
O que aí se ouve é sempre um redobre, a agitação dos sinos.

Estremeces face à rápide neve dos crepúsculos.

José Agostinho Baptista

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sábado, janeiro 07, 2006

7 de Janeiro - Citação do Dia

Mas cuidado com os que ficaram crianças. Seduzem e traem com a mesma desenvoltura, a mesma inconsciência.

Maurice Bessy, Orson Welles

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sexta-feira, janeiro 06, 2006

6 de Janeiro - Citação do Dia

Cantigas de portugueses
São como barcos no mar -
Vão de uma alma para outra
Com riscos de naufragar.

Fernando Pessoa, Quadras ao Gosto Popular

Espertalhotas: joana, bruxinha

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quinta-feira, janeiro 05, 2006

5 de Janeiro - Citação do Dia

O amor erótico, antes de ser desejo sexual, é desejo de fusão mental e física.

Francesco Alberoni, A Amizade

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quarta-feira, janeiro 04, 2006

4 de Janeiro - Citação do Dia

Escrito no Chão
(M.: in memoriam)

Chamo por ti, digo o teu nome
tropeçando sílaba
a sílaba, repito com infinita
doçura o corpo inteiro do teu nome
para que voltes com a lua
cheia, ou com o sol de março:
tão necessário
à boca como o pão de cada dia;
chamo por ti e não respondes -
o rigor do frio, a sua teia branca,
por única companhia.

Março, 1989

Eugénio de Andrade

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terça-feira, janeiro 03, 2006

3 de Janeiro - Citação do Dia

Nunca consegui olhar os loucos com sangue-frio.

Fédor Dostoievski, Recordações da Casa dos Mortos

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segunda-feira, janeiro 02, 2006

2 de Janeiro - Citação do Dia

A tarde é de oiro rútilo: esbraseia
O horizonte: um cacto purpurino.
E a vaga esbelta que palpita e ondeia,
Com uma frágil graça de menino,

Poisa o manto de arminho na areia
E lá vai, e lá segue o seu destino!
E o sol, nas casas brancas que incendeia,
Desenha mãos sangrentas de assassino!

Que linda tarde aberta sobre o mar!
Vai deitando do céu molhos de rosas
Que Apolo se entretém a desfolhar...

E, sobre mim, em gestos palpitantes,
As tuas mãos morenas, milagrosas,
São as asas do sol, agonizantes...


Florbela Espanca

Espertalhotes: bruxinha, joana, loca, neptumância

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domingo, janeiro 01, 2006

1 de Janeiro - Citação do Dia

Quem será capaz de decifrar o conjunto de miúdas e felizes combinações tiradas aqui e ali de reservas hereditárias, que dão como toques de magia o encanto de um rosto humano? Um encanto que se equilibra no gume de uma navalha, que pende, pode dizer-se, de um fio de cabelo, de tal maneira que, se fosse alterado o mais insignificante traço, se o mais pequeno músculo recebesse uma disposição diferente, embora pouco ou nada se modificasse, quebrar-se-ia o encanto.

Thomas Mann, José e Seus Irmãos

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